"Só faltou Jesus. Alguém tem o 'zap' dele?",
brinca um dos cem líderes evangélicos convidados para um almoço onde
"todo mundo que importa" estaria lá. Todos para ver o presidente Jair
Bolsonaro (PSL).
Se Jesus foi onipresente na oratória do público, em carne e
osso compareceram alguns dos maiores pastores do Brasil, além do governador do
Rio, Wilson Witzel (PSC), e os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Dias
Toffoli, e do Senado, Davi Alcolumbre (anunciado como "o judeu
cristão").
No menu não são só as batatas gratinadas, o penne à
bolonhesa, a picanha ao chimichurri, o frango com ervas. O prato principal no
banquete organizado nesta quinta-feira (11) pelo pastor Silas Malafaia, num
hotel na Barra da Tijuca, vem do Oriente Médio.
Israel pode até ser tema indigesto para uma parte do governo
que prefere não enervar países muçulmanos para não prejudicar a exportação de
carnes à região. Mas não neste salão, onde a transferência da embaixada
brasileira para Jerusalém é questão de honra.
Cabe a John Hagee, fundador da Cornerstone, uma megraigreja
texana, e da Christians United for Israel, a maior organização cristã-sionista
do mundo, o primeiro e mais longo discurso da tarde.
Prega o americano, com amparo de um pastor-tradutor: "A
menina dos olhos de Deus precisa da nossa ajuda". E corajosos, continua,
são os políticos que entendem que "quando você começar a abençoar Israel
de maneira prática, haverá uma explosão sobrenatural”.
Quem Hagee garante que lhe deu ouvidos: Donald Trump. O
pastor esteve na Casa Branca em 2017 e, diz, repetiu as mesmas palavras para o
presidente americano, um ser "gracioso, defensor apaixonado de
Israel".
Meses depois, Trump decretou a mudança do corpo diplomático
dos EUA para a cidade dividida entre uma parte ocidental e outra oriental,
reivindicada por palestinos como sua futura capital.
Por ora, Bolsonaro anunciou a criação de um escritório
de representação comercial por ali, e manteve a embaixada em Tel Aviv.
"Queremos cumprir esse compromisso, mas, como um bom casamento, tem que
namorar, ficar noivo. Nesse caso a noiva me merece", justificou após
a fala de Hagee.
Creditando-se como amigo pessoal "de Bibi"
(Binyamin Netanyahu, que acabou de assegurar seu quinto mandato como
primeiro-ministro israelense), o evangelizador americano disse ver o Brasil
como "a chave para a América Latina". Eis que, "como um raio do
céu", veio Malafaia e o convidou para o Brasil. Gratidão.
"Minha vida é feita de muita coincidência", diz
Bolsonaro na sua vez de discursar. Ali estão reunidos personagens que o
lembravam de passagens centrais em sua vida.
Malafaia, por exemplo, celebrou seu casamento com a
primeira-dama Michelle, em 2013, numa cerimônia em que o noivo chorou ao trocar
alianças ao som de “Jesus, Alegria dos Homens”, de Bach.
E Israel lhe é caro há ao menos três anos. Em 12 de maio de
2016, dia em que o Senado autorizou a abertura do processo de impeachment da
petista Dilma Rousseff, Bolsonaro e filhos foram batizados nas águas do rio
Jordão —onde diz a Bíblia que Jesus teria sido feito o mesmo. A imersão foi
feita pelo Pastor Everaldo, presidente de seu partido à época, o PSC. "Tocou
minha alma", afirma Bolsonaro.
É a deixa para falar dos filhos políticos, "que muitos
teimam em afastar de mim, mas ninguém afasta o filho do pai ou o pai do
filho". O senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos são
vistos por uma ala de seu governo como foco de instabilidade para o pai.
Magno Malta (PR-ES) virou "guerreiro" na boca do
presidente.
Se na campanha chegou a ser chamado de "vice dos
sonhos" por Bolsonaro, passada a eleição lhe restou o título de
"elefante branco" (palavras do vice de fato, general Hamilton
Mourão): sem mandato, já que não foi reeleito ao Senado, e também sem espaço no
governo.
A confraternização desta quinta pode ajudar a içar o
ex-senador do ostracismo político. Senta-se cara a cara com Alcolumbre, atual
presidente do Senado, e próximo a Bolsonaro, de quem ganha um afago. “Quase
chorei, confesso. Que nunca mais nos afastemos”, diz o presidente.
Meninas de um lado, meninos de outro. São duas mesas
principais no salão do Hilton, acomodadas sob um telão onde se lê "que
Deus abençoe o Brasil!" e à frente de mesas menores.
À direita, esposas e filhas. À esquerda, além da ala
político-judiciária, almoçam o anfitrião Malafaia e os patronos das duas
maiores Assembleias de Deus (AD), José Wellington Bezerra da Costa (ministério
Belém) e Manoel Ferreira (Madureira). Os assembleianos, segundo o Censo, formam
a ala majoritária dos evangélicos no Brasil. O próprio Malafaia comanda a AD
Vitória em Cristo.
Dois nomes ausentes, apesar dos lugares reservados: Carlos
Bolsonaro (PSC-RJ), o filho 02 do presidente, e Marcelo Crivella (PRB), prefeito
do Rio e sobrinho do bispo Edir Macedo.
Papéis indicam onde cada um deve ficar, do médico pessoal do
presidente a deputados como o federal Sóstenes Cavalcante e o estadual Samuel
Malafaia, ambos do DEM-RJ —o primeiro cria política do pastor Silas, o segundo,
seu irmão.
O deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) mostra uma foto
postada em seu Instagram na véspera, ele e Bolsonaro. À Folha o
representante da AD Madureira na Câmara diz que o presidente lhe perguntou quem
iria ao almoço desta quinta-feira, para ver se era jogo ele ir também. Concluiu
que sim.
Mal Bolsonaro entra na sala, o grito irrompe:
"Bem-vindo, capitão!". O apóstolo César Augusto (Igreja Fonte da
Vida) puxa uma oração “pelo novo tempo que começou nesta nação”. A mesa está
servida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário