Em 1938, o então presidente da Associação Americana de
Economia (American Economic Association), Alvin Hansen, proferiu discurso
perturbador. Era o final da Grande Depressão, mas Hansen sugeria que talvez o
mundo estivesse à beira de nova era em que o desemprego seria persistentemente
mais elevado do que anteriormente e o crescimento econômico permaneceria muito
baixo sem alguma outra força que pudesse empurrar a economia de volta aos
níveis de emprego que predominaram antes da crise de 1929. A tese ganhou termo
próprio: estagnação secular. Seus principais fatores propulsores seriam a queda
na taxa de natalidade e a demanda agregada deprimida em decorrência de fatores
diversos. A visão de Hansen provou-se equivocada para a época, mas o economista
Larry Summers a retomou recentemente para explicar as taxas de juros reais
persistentemente baixas em várias economias maduras. Desde então, o debate
sobre a existência ou não de estagnação secular nos países avançados tem sido
terreno fértil para o debate econômico.
Até pouco tempo atrás, ninguém no Brasil provavelmente
imaginaria que estagnação secular pudesse ser ideia aplicada aos problemas do
País. Talvez a ideia tampouco se aplique agora. Mas, na busca por um
entendimento sobre as causas do crescimento persistentemente baixo no Brasil,
vale a pena refletir sobre quais partes da estagnação secular podem explicar os
dilemas atuais. Afinal, o Brasil vive uma crise sem crise, como tenho escrito
em outros espaços. Como tenho dito, a crise do crescimento baixo de hoje é
inédita no País: não temos crises cambiais ou bancárias a acompanhá-la, ao
contrário do nosso passado. Tampouco temos uma crise fiscal aguda, já que não
há risco iminente de calote da dívida pública. O que temos é uma crise fiscal
crônica para a qual soluções têm de ser encontradas. A reforma da Previdência
é, evidentemente, uma delas. Mas não será a partir da reforma da Previdência
que o Brasil sairá da armadilha do crescimento baixo.
Tomemos as condições expostas por Hansen. A taxa de
natalidade brasileira caiu vertiginosamente nos últimos anos. De acordo com os
dados mais recentes, ela está em 1,7 nascimentos por mulher – em 2000, a taxa
de natalidade era de 2,3. Ou seja, em pouco menos de duas década, a taxa de
natalidade do País caiu mais de 25%. A taxa de natalidade brasileira é, hoje,
menor do que a do México (2,2), do Chile (1,8), da Argentina (2,3). Ela é
também menor do que a dos EUA (1,8), da França (1,9), do Reino Unido (1,8), e
iguala-se a da Bélgica.
Do lado da demanda, os dados brasileiros deixam poucas
dúvidas sobre seu estado deprimido. O consumo das famílias cresce pouco desde a
Grande Recessão de 2015-2016, o investimento doméstico não dá sinais de vida, e
os gastos do governo estão limitados por restrições e medidas diversas. As
razões para o baixo consumo das famílias são conhecidas: desemprego elevado,
ganhos salariais reais limitados, incertezas quanto aos rumos da economia, e,
em menor grau do que no passado, o ainda alto nível de endividamento das
famílias. Os motivos para o desempenho pífio do investimento também são
conhecidos e ultrapassam as justificativas fiscais: a carência de
infraestrutura, as incertezas permanentes, o ambiente geral de baixa
competitividade, além de outras razões ajudam a explicar porque o Brasil tem
uma das piores taxas de investimento não só entre grandes países emergentes,
mas na América Latina. É verdade que nossas taxas de juros reais não são tão
baixas assim, ao menos não quando comparadas às das economias maduras. Mas,
hoje a diferença entre a Selic e a taxa de inflação corrente é de apenas 1,6%.
Se usarmos as expectativas de inflação doze meses à frente, essa diferença é de
2,4%.
Portanto, diagnóstico preliminar de que a economia
brasileira hoje flerta com a estagnação secular, sobretudo diante das
recorrentes revisões para baixo do PIB para 2019 – o que revela que nos últimos
três anos a economia brasileira não terá tido fôlego para crescer mais do que
cerca de 1% ao ano – não parece descabido. Se é essa a situação que temos,
estão faltando avaliações rigorosas sobre como seria possível abrir espaço para
medidas anticíclicas já no curto prazo. Inevitavelmente, tais medidas iriam
requerer mudanças bem embasadas e justificadas no teto dos gastos. Mas esse é
assunto para uma próxima coluna.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for
International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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