Desde o início, a emergência de Jair Bolsonaro foi
corretamente interpretada em seu sentido global, à luz dos populismos nos EUA
de Donald Trump e na Europa do brexit e da extrema direita “anti-globalista”.
Em cinco meses de governo, essa mesma perspectiva
internacional —ao se comparar o Brasil a modelos de populismo na Europa de hoje
e na América Latina de décadas recentes— agora ajuda a entender a acelerada
deterioração da versão tupiniquim.
Experiências populistas mundo afora somaram a ambição de um
governo “da maioria silenciosa” e “contra as elites” à hipertrofia do poder
Executivo.
Governantes acumularam poder em detrimento do Legislativo,
Judiciário, imprensa e sociedade civil.
Bolsonaro vive a contradição de almejar a primeira parte da
equação, em textos de WhatsApp ou lives de Facebook, enquanto seu governo se
atrofia com espantosa rapidez.
Várias causas arrastam o Brasil a esse populismo distinto,
com outros riscos institucionais. Mas uma das questões-chave é a natureza da
base de apoio ao poder populista. Hungria, Venezuela e Peru oferecem
comparações ilustrativas.
O centro do poder do premiê húngaro, Viktor Orbán, é o
Parlamento. Orbán e seu partido, o Fidesz, jamais consolidaram um apoio popular
acima dos 50%. Mas o sistema parlamentar e as regras eleitorais húngaras,
somadas à fraqueza do establishment e ao clima de xenofobia, deram à extrema
direita sucessivas supermaiorias legislativas, desde 2010.
Com poderes de mudar a Constituição, Orbán passou a
desmantelar a democracia.
Bolsonaro vive situação oposta. Da reforma da Previdência ao
destino do Coaf, o noticiário recente é uma lista de evidências de sua
debilidade frente ao Congresso.
No presidencialismo latino-americano, populistas acharam
outras bases de apoio.
O venezuelano Hugo Chávez usou a colossal renda do petróleo
para cooptar setores sociais, sobretudo os mais pobres, elevando sua
popularidade à estratosfera.
Apesar do maior colapso de que se tem registro na história
econômica latino-americana, a nostalgia de Chávez ainda garante a seu partido,
o PSUV, mais de 25% de apoio popular.
O Brasil passa por um cenário de crise fiscal à beira de uma
recessão, no extremo oposto de uma petro-economia num período de bonança.
O peruano Alberto Fujimori usou a guerra civil contra o
Sendero Luminoso para abater antagonistas, incluindo com o fechamento do
Congresso. Seu poder popular nasceu da luta contra o inimigo interno.
Em vez de uma insurgência maoísta, o bolsonarismo declarou
guerra a uma esquerda desnorteada, ao centrão e ao moinho de vento do
“globalismo”.
Bolsonaro não conta com a força legislativa, o poder
econômico ou a violência política para sustentar sua posição antissistema. A
base de apoio ao seu radicalismo é WhatsApp, Twitter e Facebook.
O Brasil traiu Abraham Lincoln e ergueu um governo das
mídias sociais, pelas mídias sociais e para as mídias sociais. Elas de fato foram
decisivas na campanha presidencial de 2018. Mas um populista cujo poder emana
do mundo virtual não governa na realidade, muito menos é capaz de subjugar os
demais poderes do Estado.
Em vez do acúmulo de poder, o grande risco institucional
desse populismo atrofiado é a ingovernabilidade crônica.
*Roberto Simon é diretor sênior de política do Council of
the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em
relações internacionais pela Unesp.
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