São imprudentes, obscuros e arbitrários os objetivos por
trás da manifestação arquitetada por idólatras do “Mito” e fomentada pelo
capitão em pessoa nas redes sociais. Não vá se falar em mero protesto. A
insurgência contra os poderes constituídos flerta diretamente com o
autoritarismo — ainda mais levada a cabo diretamente pelo mandatário. Ele,
prudentemente, depois de alertado, resolveu recuar da ideia tresloucada de
estar à frente participando ativamente nas ruas. Se assim o fizesse poderia
incorrer em crime de responsabilidade por atentar, de maneira insofismável,
contra a Carta Magna que no artigo 85, incisos II, III e IV condena qualquer
afronta ao livre exercício dos Poderes.
Uma mobilização com esse intuito empurraria Bolsonaro à
porta do impeachment. De qualquer maneira, ele procura impor o conceito de um
governante vivendo sem a necessidade de dialogar com forças moderadoras, tal
qual um monarca absolutista com pendores ditatoriais. Não se engane: o problema
de Bolsonaro não é com o Congresso ou com a massa amorfa de políticos
classificada como “Centrão” que, no seu julgo, converteu-se em inimigo número
um do Brasil. O mandatário tem algo mesmo, de verdade, contra a democracia e
daí a ofensiva às instituições basilares que lhe dão respaldo — Parlamento,
Judiciário, imprensa e Forças Armadas. Sim, por que até na direção delas mirou
a artilharia de descrédito recentemente.
Redes bolsonaristas, de maneira inflamada e raivosa, pedem o
fechamento do Congresso, a deposição de ministros do Supremo, a invasão de
autarquias e conclamam o povo a servir de massa de manobra nessa marcha da
insensatez, indevida e beligerante. A intentona tem método e fim: manietar
todos aqueles que lhe pareçam adversários, pelo mero princípio de discordar de
suas estultices e ambições. O chefe da Nação sonha em comandar fora das regras
do jogo, sem interposições ou freios. Diante da desconcertante inabilidade que
exibiu para governar, Bolsonaro transfere a responsabilidade dos erros aos
outros. Na sua visão, desconectada dos fatos, não conseguiu fazer o que
precisava porque o “sistema” não deixou, e não em virtude da incapacidade nata
deveras exibida.
Orientou os “eleitores-raiz”, menos de seis meses após a
posse, a tomarem as ruas munidos do ingrediente autocrático para a disruptura.
Na prática, diversas organizações, movimentos sociais e mesmo empresariais —
aliados de primeira hora — evitaram embarcar na aventura, com traços golpistas.
O MBL e o “Vem Prá Rua”, que deram a argamassa de mobilização do impeachment de
Dilma Rousseff, não avalizaram a articulação oficialesca e oportunista da
claque de Bolsominions. A pergunta concreta, ainda sem resposta, coloca o
presidente no foco da pregação: Bolsonaro busca protestar contra o quê? Se foi
ele, justamente, no exercício da militância ideológica, quem travou o diálogo
com as demais instituições, por que agora se acha no direito de anarquizar o
convívio? O País vive os impactos devastadores de uma guerra ideológica que dá
as costas às necessidades elementares do povo.
Emprego, renda e crescimento ficaram em segundo plano.
Problemas cotidianos não são atacados. Restou óbvio que o mandatário considera
impossível governar sem semear o conflito, demonizando os demais esteios
constitucionais. Há poucos dias veiculou em sua rede digital um texto,
qualificado por ele como de “leitura obrigatória para quem se preocupa em
antecipar os fatos”, apontando o País como “ingovernável” sem os “conchavos”,
deixando-o de mãos atadas. A mensagem atribuía o fracasso prematuro da nova
gestão à influência de forças ocultas, corporações que impedem qualquer
presidente de governar – uma versão rotineiramente incutida pela claque do
mandatário nos áulicos seguidores.
Inevitável traçar um paralelo com a carta-renúncia do
ex-presidente Jânio Quadros, nos idos dos anos 60, que também atribuía seu
naufrágio presidencial a terríveis forças do “sistema”. Daí à conclamação para
a tomada das ruas, sitiando Legislativo, Judiciário ou quem mais atravessar
suas pretensões, foi um passo. Bolsonaro busca transformar o Brasil numa versão
venezuelana à direita, com protestos diários contra e a favor de um modelo
arbitrário de poder. De uma maneira ou de outra terá de perceber que não existe
espaço para governar na base do grito por aqui.
A ideia, ventilada por ele, de um Brasil livre de
“impedimentos institucionais” é abjeta. Jair Messias Bolsonaro, do alto dos 57
milhões de votos angariados nas urnas, precisa deixar de lado o papel de mero
chefe de um grupo sectário e assumir devidamente, movido a princípios
republicanos, a dimensão do cargo recebido por outorga da maioria da população.
O Messias não foi ungido por Deus, como tentou fazer crer em outro de seus
posts desconexos, mas pelo poder do povo (na tradução literal de democracia).
Até aqui se comportou como um presidente ingovernável,
guiado por devaneios, espírito conspiratório e intrigas geradas no núcleo duro
de seus filhos indóceis com a inestimável colaboração do Rasputin da Virgínia.
Levado a rompantes inexplicáveis e indevidos — como o de chamar estudantes de
“idiotas úteis”, dentre outras baboseiras — converteu-se, ele próprio, em fator
de instabilidade, ameaçando a Nação. Se persistir nessa trilha esbarrará,
certamente, nos freios e contrapesos institucionais, com desfecho traumático.
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