Governantes que precisam apelar
Muitos governantes invocam o nome de Deus como escudo,
registra a história. Em seu reinado, o ditador Franco, “caudillo da Espanha
pela Graça de Deus” referia-se sempre à Providência Divina: “Deus colocou em
nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. A fascista Falange
Espanhola o declarou “responsável perante Deus e a história”.
Monarcas justificam tudo pelo direito divino,
independentemente da vontade dos súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava
descendente do profeta Maomé: “Não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro
de uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé”.
Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como
divindade. Criou uma aura, distante da população que viveu guerras e mortes.
Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol,
Amaterasu.
O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que
conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia
perguntaram: “o senhor conversa com frequência com Deus”? Ele: “Sempre que
necessário”. Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: “o
infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal”.
Aqui se eleva aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um
pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: “Na história da
bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo, o
imperador da Pérsia, Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de
Isaías: ‘Eu escolho meu sérvio Ciro’. E o senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil”.
O nosso Messias jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou:
“Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.
Para reforçar, o bispo Edir Macedo pede que Deus ‘remova’
quem se opõe a Bolsonaro, acusando políticos de tentarem “impedir o presidente
de fazer um excelente governo”.
O fato é que os governantes em países atrasados
culturalmente e até desenvolvidos organizam seu próprio culto. Querem a
imprensa cultivando sua imagem de herói, Salvador da Pátria, Super-Homem, Pai
dos Pobres, Enviado dos Céus. Nietsche já alertava contra tal esperteza: “o
super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da
aventura humana é a glorificação do homem-Deus”.
Essa mania do parentesco com Deus ressurge na onda
direitista e populista que se espraia pelo planeta, incluindo Hungria, Polônia,
Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os
Estados Unidos de Donald Trump.
Esses governantes assumem comportamento autoritário, criam
estruturas próprias de comunicação, formam alas sociais amigas e inimigas,
fustigam a imprensa. Tentam impedir a mídia tradicional de cumprir sua missão
de apurar os fatos, vigiar e cobrar dos poderes públicos.
Cortam investimentos publicitários, extinguem empregos e
investem no “achismo” das redes sociais. Os efeitos brotam: perda de
credibilidade na informação; formação de exércitos na guerra da
contrainformação; apartheid social.
No meio do turbilhão, Jair ataca a imprensa e os políticos
e, quem sabe, pensa subir ao trono das divindades. Já tem até identidade:
afinal, Messias é seu sobrenome.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e
consultor político
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