Depois de um longo dia de trabalho em Oeiras, no centro-sul
do Piauí, fui contemplar a lua cheia e vi um corpo brilhante sobre ela. Era
Júpiter, que se aproxima todo mês, mas aparece claramente quando a lua é cheia.
Fotografei com prazer aquela presença. Uma conjunção feliz, pois nos traz algo
de novo ao alcance do olho nu.
Do meu posto de observação da história contemporânea do
Brasil, conjunções são raras, desastres mais comuns, não é raro ver a vaca ir
pro brejo.
O documento que Bolsonaro divulgou sobre as dificuldades de
governar o país nos coloca diante de uma alternativa: governar com conchavos e
perpetuar a corrupção ou usar a força popular para provocar mudanças, o que
tende a desembocar no autoritarismo.
Existe um caminho do meio, uma nova forma de de se
relacionar com o Congresso que ainda não foi experimentada amplamente. Não há
garantia de êxito, mas certamente vale a pena tentar.
É uma ilusão supor que os congressistas sempre se curvam à
maioria. Foram eleitos também, e para muitos a opinião de seus próprios
eleitores pesa mais do que a da maioria.
Uma saída seria atrair o Congresso na execução do Orçamento,
tornar políticos de uma região responsáveis também por uma série de obras
programadas para ela. É uma parceria que não acaba com o fisiologismo. Mas pelo
menos o isola um pouco, oferecendo aos envolvidos uma forma de superar o medo
de que seus eleitores pensem que nada fazem por eles.
Pela experiência no Congresso, não considero apenas os
fatores materiais. Há um grande muro simbólico a ser derrubado.
Os deputados e senadores seriam mais felizes se pudessem
aprovar seus próprios projetos e não serem sufocados por medidas provisórias e
pautas oriundas do governo. Há um desequilíbrio aí, e ele já existe há muitos
anos.
Ainda num campo simbólico, a atenção de um presidente e uma
palavra de apoio ao seu trabalho representam para um deputado mais que verbas.
Não recomendo um expediente de relações públicas, como mandar um telegrama no
dia do aniversário.
Seria necessário um autêntico interesse pela produção dos
parlamentares, uma noção de sua trajetória, uma tentativa de impulsionar o que
tem de melhor: jovens começando a carreira, veteranos especializados em alguns
temas, todos amparados por um corpo técnico competente.
Pode ser bobagem o que vou dizer, mas os presidentes
falharam de uma certa forma em buscar esse caminho e suas variantes.
De um modo geral, chegam ao governo depois de uma grande
campanha eleitoral. Ao contrário de terem resolvido as ilusões do ego, eles
aceleram a viagem e colocam-se num outro patamar: sabem mais que os outros, são
acontecimentos inéditos na história, enviados de Deus. E há os mais distantes,
como Collor e Dilma, que claramente não tinham esse dom.
O caminho do meio depende de um presidente que realmente
leve a sério o Congresso. Isso não exclui que, em certos momentos, existam
manifestações não a favor do governo, mas a favor de alguma bandeira que
coincide com algo bem claro no jogo democrático.
Nesse caminho do meio não há avanços vertiginosos. Quem os
espera se decepciona. Sem ilusões sobre o Congresso. Não se trata de fazer um
avião decolar. Na verdade, trata-se de pôr em marcha uma geringonça.
Essa imagem não é depreciativa. Assim os portugueses chamam
sua experiência relativamente exitosa. Comunistas? Nesse caso, Portugal seria o
único país comunista a atrair tantos imigrantes, ricos e pobres.
A chance de superar o dilema corrupção ou autoritarismo não
foi realmente tentada por Bolsonaro. Mas ainda está aberta para a virada da
década.
Os candidatos sempre prometem alguma forma de resolver o
impasse. Fica essa lembrança quando o tema voltar em 2020.
Há um caminho do meio. Quem sabe?
O problema é produzir políticas públicas que melhorem as
condições reais de vida de milhões de pessoas. O resto são honrarias,
condecorações, estátuas para pombo fazer cocô.
Prefiro acreditar que exista uma solução e contribuir para
ela a continuar na velha história de que, no fundo, afirma o documento lançado
pelo Bolsonaro, o Brasil não tem jeito. Como os estoicos, acham que tudo vai
passar como os bárbaros por Roma, pois acabariam engolidos por ela.
Artigo publicado no jornal O Globo em 27/05/2019
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