Desde que o site The Intercept Brasil revelou as trocas de
mensagens privadas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e os procuradores
da Lava Jato em Curitiba, o Brasil acompanha apreensivo à divulgação, em doses
homeopáticas, do teor das interceptações – fruto da violação de celulares de
autoridades brasileiras. O constrangimento ao qual foram expostos os
integrantes da Lava Jato e o ex-juiz que se tornou símbolo do combate à
corrupção no País pode mudar de lado. A Polícia Federal planeja-se para, nas
próximas semanas, tentar emitir uma contundente resposta ao que classifica de
ação orquestrada perpetrada por criminosos de alto calibre. Sob a coordenação
do diretor-geral Maurício Valeixo, a PF acredita ter se aproximado dos hackers
que invadiram a privacidade dos procuradores e expuseram as vísceras da Lava
Jato. Em investigações preliminares, os agentes da Polícia Federal já
identificaram conexões no Brasil, em especial em Santa Catarina, e no exterior,
com o suposto envolvimento de agentes na Rússia e até em Dubai, nos Emirados
Árabes. Segundo agentes ouvidos por ISTOÉ, a PF pode estar perto de alcançar os
responsáveis pelo hackeamento ilegal, o que, se confirmado, constituiria uma
bomba capaz de provocar uma reviravolta no caso.
As pistas da principal linha de investigação levam à Rússia.
É onde reside o americano Edward Snowden, notório aliado do jornalista Glenn
Greenwald, dono do site The Intercept Brasil. Em 2013, Snowden se aproximou dos
irmãos bilionários Nikolai e Pavel Durov, que criaram o Telegram, um sistema de
comunicação por mensagens similar ao Whatsapp. A PF suspeita que Snowden possa
estar por trás do esquema de bisbilhotagem e divulgação das mensagens de
membros do Ministério Público Federal. Recentemente, Snowden elogiou o Telegram
por sua resiliência na Rússia, depois que o governo proibiu o aplicativo e
pressionou para que liberasse o acesso às mensagens privadas dos usuários. Na
PF, há quem acredite que o americano refugiado na Rússia possa ter se valido de
recentes contatos com os Durov para ter acesso aos diálogos envolvendo as
autoridades brasileiras.
Condinome: “lucky12345”
A partir da investigação sobre os passos de Snowden,
informantes do Brasil na Rússia puxaram um outro fio do novelo: o que leva a
Evgeniy Mikhailovich Bogachev, de 33 anos. Criador do vírus Cryptolocker e do
ardiloso código Zeus, ele é procurado pelo FBI americano por crimes
cibernéticos. Um rastreamento identificou que Slavic ou “lucky12345”, como é
conhecido, teria recebido US$ 308 mil em bitcoins (a moeda virtual). Resta
saber se o depósito foi realmente a contrapartida financeira por ele ter
participado do processo de quebra do sigilo telefônico dos procuradores. O
dinheiro teria circulado pelo Panamá antes de chegar a Anapa, na Rússia, onde
foi transformado em rublos. Na última semana, o nome do agente russo veio à
tona pela primeira vez através de um perfil anônimo no twitter. Embora
parecesse inverossímil num primeiro momento, por conter erros de grafia e
tradução, ISTOÉ confirmou que a PF segue sim o rastro da pista, considerada
importante pelos agentes hoje à frente do caso. Em especial, pelos indícios de
que Slavic, uma espécie de laranja no esquema, possa estar ligado a Snowden. Um
relatório de segurança da Ucrânia aponta que “lucky12345” atua sob a supervisão
de uma unidade da espionagem russa.
Mas por que os bilionários irmãos Nikolai e Pavel Durov, do
Telegram, se aliariam a Snowden e Slavic na tentativa de desqualificar a
principal operação de combate à corrupção da história recente do Brasil?
Agentes da PF colheram informações que os levam a crer que os Durov, atualmente
abrigados em Dubai, podem ter agido com motivações puramente ideológicas.
Adeptos do islã, eles teriam ficado enfurecidos com a proverbial predileção do
presidente Jair Bolsonaro por Israel em detrimento aos árabes. Em abril, depois
de recebido com honras pelo premiê Benjamin Netanyahu, o presidente anunciou a
criação de um escritório de negócios em Jerusalém “para a promoção de comércio,
investimentos e intercâmbio” bilaterais. Netanyahu saudou a abertura de um
gabinete brasileiro na cidade e pediu que aquele fosse o primeiro passo para a
abertura da embaixada brasileira em Jerusalém – o que provocou a ira dos
islâmicos e, consequentemente, dos Durov. Bolsonaro, ao alcançar o poder, foi o
principal beneficiário da Lava Jato, conduzida por Moro. Desmoralizar o juiz e
a Lava Jato significaria enfraquecer o bolsonarismo e trazer a esquerda lulista
de volta ao jogo. Confirmada a tese, Greenwald teria sido a ponta final da
operação comandada pelo trio Snowden, Slavic e Durov.
Não custa lembrar que Greenwald e Snowden foram parceiros num
trabalho desenvolvido em 2013 e que expôs dados secretos da Agência de
Segurança Nacional (NSA), do governo dos EUA. O material interceptado por
Snowden, também de forma ilegal, foi divulgado por Greenwald no jornal inglês
The Guardian e em outros jornais pelo mundo afora, como O Globo, no Brasil.
Graças aos documentos vazados, o jornalista ganhou os prêmios Pulitzer e Esso.
Pressionado a divulgar detalhes de sua operação, Snowden acabou se asilando na
Rússia, onde passou a ser protegido pelo presidente Vladimir Putin. Enquanto
que Greenwald se refugiou no Brasil, casando-se com o brasileiro David Miranda,
atual deputado federal pelo PSOL e acabou fixando residência no Rio de Janeiro,
de onde opera o The Intercept Brasil. Atualmente, Snowden é presidente da
Freedom of the Press Foundation. Um dos co-fundadores é Greenwald. Na última
semana, a PF considerou realizar uma operação de busca e apreensão dos
computadores do dono do The Intercept e conduzi-lo para prestar depoimento, mas
fontes ligadas ao ministro entenderam que esse fato poderia transformar o
jornalista em mártir e o governo ainda corria o risco de ser acusado de cercear
a liberdade de imprensa.
Trabalho de profissional
Algo é certo: a PF já sabe que o acesso ilegal ao aplicativo
Telegram dos procuradores não foi realizado por amadores. “Não foi uma ação de
um adolescente por trás de um computador. Tratou-se de um trabalho feito por
uma organização criminosa altamente especializada”, endossou Moro em depoimento
que prestou no Senado na quarta-feira 19. De fato, segundo fontes da PF, o
trabalho de hackers na quebra de sigilo de celulares e computadores foi coisa
de profissional. Além de envolver equipamentos caríssimos que alcançam a casa
dos milhões de dólares, fogem completamente do padrão de hackers de menor poder
destrutivo, conhecidos como “defacements”, que se notabilizaram por fazer as
chamadas “pichações políticas” em sites e organizar malfadados ataques a
transações bancárias. No dia 4, o suposto hacker tentou se passar pelo ministro
da Justiça enviando uma mensagem a um funcionário do gabinete de Moro, depois
de ativar uma conta no Telegram.
Sem descartar as pistas que surgem pelo caminho, na última
semana, a PF adicionou uma organização criminosa que operava em Santa Catarina
ao rol dos suspeitos. Na terça-feira 18, a PF desencadeou a operação “Chabu”
(vulgo “deu errado”) em Florianópolis, com o cumprimento de sete mandados de
prisão e 23 de busca e apreensão. O objetivo foi a desarticulação de uma
quadrilha que vinha quebrando sigilos de autoridades no estado para o vazamento
de operações policiais e ações de órgãos públicos. Para a PF, a quadrilha pode
estar envolvida na operação de hackeamento dos celulares dos procuradores do
Paraná.
Entre os presos, está o delegado da PF Fernando Amaro de
Moraes Caieron e o policial rodoviário federal Marcelo Roberto Paiva Winter,
ambos especializados em crimes cibernéticos e tráfico de drogas. Foram presos
ainda o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (sem partido), e o ex-chefe da
Casa Civil Luciano Veloso Lima. Todos eles utilizavam a estrutura da empresa
Nexxera, de tecnologia, para cometer as ilegalidades. Segundo fontes ligadas ao
diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, a análise dos documentos apreendidos
será decisiva para apontar a existência do elo do grupo com os hackers da Lava
Jato. Assim como a conexão Brasil-Rússia-Dubai, o elucidamento do caso parece
estar próximo. Quem acompanha as investigações assegura: se os indícios
encontrados até agora se confirmarem, a PF estará bem perto mudar o rumo do
rumoroso episódio que monopolizou as atenções dos brasileiros nas últimas
semanas.
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