A entrevista com Jair Bolsonaro estava marcada para as 10
horas de quarta-feira. Às 10h15, um ajudante de ordens indicou o caminho do
gabinete, que fica no 3º andar do Palácio do Planalto. O presidente explicou o
motivo do atraso: meia hora antes, ele decidira ir ao Congresso Nacional
prestigiar uma homenagem que estava sendo feita ao comediante Carlos Alberto de
Nóbrega, apresentador do programa A Praça É Nossa, de quem se
diz fã. O problema é que ele não avisou ninguém com antecedência. Assessores,
cerimonial, equipe de segurança — todos foram apanhados de surpresa.
Acompanhado do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional, o presidente atravessou a pé os cerca de 100 metros que separam
o Planalto do Congresso. De volta, fez piada com a suposta dificuldade de
Heleno, de 71 anos, em completar o trajeto. “Ele está meio empenado, mas me
garantiu que o problema é apenas da cintura para cima”, disse, rindo.
Formalidade não é a principal virtude do presidente.
Por medida de segurança, a sala envidraçada do gabinete
agora permanece com as cortinas fechadas. É uma preocupação compreensível. Cada
um tem a sua. O ex-presidente Michel Temer, por exemplo, evitava usar a mesa de
trabalho. Dizia que não se sentia bem quando sentava na cadeira, que irradiaria
uma energia negativa, assim como não se sentiu bem em morar no Palácio da
Alvorada, onde, jurava, ouvia barulhos estranhos durante a madrugada. Coisa de
assombração, segundo ele. No caso do atual presidente, as assombrações são
outras. Durante duas horas, Bolsonaro falou sobre reformas, desemprego,
reeleição, os filhos, o amigo enrolado Fabrício Queiroz, o guru Olavo de
Carvalho, trapalhadas de ministros, Lula, o PT, sabotagens, tuitadas e o
atentado que sofreu durante a campanha, tema que, ao ser invocado, mudou
completamente o ritmo da conversa, a fisionomia e o humor do presidente.
Bolsonaro até hoje se emociona ao falar do ataque que
sofreu. “Você vê passar um filme na sua cabeça, vem uma imagem na sua cabeça… a
minha filha Laura, de 7 anos… ”. O presidente não conseguiu concluir a frase,
com a voz embargada, e chorou. “No primeiro momento, eu não vi que era uma
faca. Parecia um soco, uma bolada. Vi o rasgo e pensei que era uma porrada, um
soco inglês…”. Nova interrupção. O presidente respirou fundo. Um assessor lhe
entregou uma caixa de lenços de papel. Para ele, o dia 6 de setembro de 2018,
quando foi esfaqueado pelo garçom Adélio Bispo de Oliveira, ainda não acabou.
Bolsonaro tem duas certezas sobre esse caso. A primeira: um milagre salvou sua
vida. A segunda: há uma enorme conspiração por trás do crime. A seguir, os
principais trechos da entrevista exclusiva do presidente a VEJA.
O senhor já se acostumou com a função de presidente da
República? Já consegui fazer aquilo que prometi durante a campanha,
coisa que eu desconheço que qualquer outro presidente tenha feito: indicar um
gabinete técnico, respeitar o Parlamento e cumprir o dispositivo constitucional
da independência dos Poderes. Agora, a pressão aqui é muito grande, tem
interesses dos mais variados possíveis, tem aquela palavra mágica que a
imprensa fala muito, governabilidade. Me acusam muitas vezes de não ter
governabilidade. Eu pergunto: o que é governabilidade? Nós mudamos o jeito de
conduzir os destinos do Brasil. Hoje, cinco meses depois, eu sinto que a
maioria dos parlamentares entendeu o que está acontecendo. Muitos apoiam a
pauta do governo. E esse apoio está vindo por amor à pátria, por assim dizer. A
gente não pode continuar fazendo a política como era até pouco tempo atrás.
Estávamos no caminho da Venezuela. Respondendo a sua pergunta, já passei noites
sem dormir, já chorei pra caramba também.
Por quê? Angústia, né? Tá faltando o mínimo de
patriotismo para algumas pessoas que decidem o futuro do Brasil. O pessoal não
está entendendo para onde o Brasil está indo. Não preciso dizer quem são essas
pessoas. Elas estão aí. Imaginava que ia ser difícil, mas não tão difícil
assim. Essa cadeira aqui é como se fosse criptonita para o Super-Homem. Mas é
uma missão, entendo que Deus me deu o milagre de estar vivo. Nenhum analista
político consegue explicar como eu cheguei aqui, mas cheguei e tenho de tocar
esse barco.
“Esse cara aí viajava o Brasil todo, esse cara aí tinha
um cartão de crédito, esse cara frequentou academia de tiro em Santa Catarina,
foi filiado ao PSOL até 2014. É tudo muito suspeito”
Qual é a missão mais difícil? As propostas que
você quer apresentar e como elas podem ser interpretadas pelo Parlamento. Veja
a questão dos caminhoneiros. De vez em quando aparece aí o fantasma da
paralisação que mexeu com a economia do Brasil. O que a gente tem de fazer para
antecipar problemas? Por que não aumentar o limite na carteira para 40, 50
pontos? Alguns vão criticar: “Pô, o cara aí quer relaxar na questão do
trânsito”. Mas eu fiz isso. Chamei o Tarcísio (de Freitas, ministro da
Infraestrutura) e disse “não quero mais saber de novos pardais”. Isso,
às vezes, é mal interpretado. Por outro lado, você vai ganhando a simpatia da
população e ela acaba entendendo que você quer fazer a coisa certa. No macro, é
a reforma da Previdência, que é a mãe das reformas, e depois a tributária, que
está para ser discutida.
O que o senhor realmente pensa sobre a reforma da
Previdência? A cabeça de um parlamentar era uma coisa, a cabeça de um
presidente, agora com acesso aos números, é outra. Na Câmara, muitas vezes você
tem uma informação de orelhada. Por isso, eu sempre fui contra a reforma da
Previdência. O que faz a gente mudar? A realidade. O Brasil será ingovernável
daqui a um, dois, três anos. Se a reforma da Previdência não passar, o dólar
pode disparar, a inflação vai bater à nossa porta novamente e, do caos, vão
florescer a demagogia, o populismo, quem sabe o PT, como está acontecendo na
Argentina, com a volta de Cristina Kirchner. O Brasil não aguentaria outro
ciclo assim.
Aprovada a reforma da Previdência, o que o senhor
vislumbra na sequência? Vamos partir para a reforma tributária e para as
privatizações. Já dei sinal verde para privatizar os Correios. A orientação é
que a gente explique por que é necessário privatizar. No caso dos Correios, o
PT destruiu a empresa. A bandalheira era tão grande que o fundo de pensão dos
funcionários, que hoje está quebrado, fez investimentos em papéis da Venezuela.
Com que interesse? Pelo amor de Deus! Então, temos de mostrar à opinião pública
que não tem outro caminho a não ser privatizar os Correios. Será assim com
outras estatais. Há muitos cabides de emprego dentro do governo.
Presidente, para quando o senhor espera a diminuição do
atual nível de desemprego? O general Mourão acabou de chegar da China.
Lá também tem desemprego. Mas há uma diferença. Quando os chineses quiseram
fazer a usina hidrelétrica de Três Gargantas, só avisaram: “Olha, daqui a dois
anos a água vai subir, se vira”. No Brasil você não faz isso. Aqui, Belo Monte
está sendo construída há quase dez anos. E existe um outro problema. Uma parte
dos nossos milhões de desempregados não se encaixa mais no mercado de trabalho,
por falta de qualificação. Há também os universitários que só têm diploma.
Alguns acham que gastar mais dinheiro é sinal de que está melhorando a
educação. Tem país que gasta per capita menos que nós e tem
uma educação muito melhor. A situação não está nada bacana. Essa é a realidade.
Mas o Ministério da Educação em seu governo será um
exemplo de eficiência? Errei no começo quando indiquei o Ricardo Vélez como
ministro. Foi uma indicação do Olavo de Carvalho? Foi, não vou negar. Ele teve
interesse, é boa pessoa. Depois liguei para ele: “Olavo, você conhecia o Vélez
de onde?”. “Ah, de publicações.” “Pô, Olavo, você namorou pela internet?”,
disse a ele. Depois, tive de dar uma radicalizada. Em conversas aqui com os
meus ministros, chegamos à conclusão de que era preciso trocar, não se pode ter
pena, e trocamos.
Qual é o nível de influência que o filósofo Olavo de
Carvalho tem no governo? Nenhum. O Olavo foi uma pessoa importante na minha
campanha. Ele vinha disseminando os ideais da direita havia muito tempo, uma
visão que abriu a cabeça de muita gente. Então, de alguma forma, ajudou na
minha eleição. Mas raramente eu converso com o Olavo. Ele tem a sua liberdade
de expressão, e ponto. Quantas vezes eu fui chamado de ladrão, safado,
sem-vergonha, homofóbico, racista. Eu fico quieto? Agora, se ele responde às
agressões de lá… O Olavo não faz por maldade. Ele, pela idade talvez, quer as
coisas resolvidas mais rápido. Talvez seja isso aí. EMINÊNCIA – O guru
Olavo de Carvalho: pivô de crises no governo
“Ele foi uma pessoa importante na minha campanha. Vinha
disseminando os ideais da direita, uma visão que abriu a cabeça de muita gente.
Mas raramente converso com o Olavo”
A questão do Ministério da Educação está resolvida então? Tive
de escolher. Chegaram vários currículos aqui, de pessoas bacanas. Mas aquilo é
um campo minado, pessoas concursadas, militantes. Quando vazou aquela história
de que o MEC estava orientando a cantar o Hino Nacional, a
filmar os estudantes e tudo debaixo do slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima
de todos”, eu cheguei: “Pô, Vélez, tem uma lei do Lula que diz para cantar
o Hino Nacional, conforme eu conversei contigo. Por que
colocar o slogan ‘Brasil acima de tudo’? Quem escreveu isso lá?”. “É, foi o meu
gabinete.” “Demita o cara, pelo amor de Deus.” Foi para sabotar o ministro.
Há outros casos de sabotagem dentro do governo? Claro.
É uma luta pelo poder. Há sabotagem às vezes de onde você nem imagina. No
Ministério da Defesa, por exemplo, colocamos militares nos postos de comando.
Antes, o ministério estava aparelhado por civis. Havia lá uma mulher em cargo
de comando que era esposa do 02 do MST. Tinha ex-deputada do PT, gente de
esquerda… Pode isso? Mas o aparelhamento mais forte é mesmo no Ministério da
Educação. Eu não sou contra você falar nas escolas, nas universidades sobre
quem foi, por exemplo, Che Guevara. Mas tem de falar também quem foi Brilhante
Ustra (coronel do Exército apontado como torturador durante o governo
militar), com verdades, e não com mentiras.
Como o senhor vê o papel da esquerda no Brasil? Há
poucas semanas teve o deputado petista Paulo Pimenta defendendo o Maduro,
discursando. Esse pessoal todo da esquerda defende o Maduro. Será que nós
queremos isso para o Brasil? Ou o cara está com o cérebro corroído por alguma
coisa ou é maluco. Não tem outra explicação. O que eles pregam não deu certo em
lugar nenhum do mundo e continuam defendendo. No governo Lula foi criada uma
dezena de estatais e no governo Dilma elas foram ampliadas. Temos de ficar
livres desse peso.
O presidente Lula, pelo Twitter, tem postado críticas ao
senhor e a seus filhos. Em 1986, quando eu fiz aquele artigo na revista
VEJA em que defendi aumento de salário para os militares, fui punido
acertadamente pelo ministro do Exército com quinze dias de prisão. Minha prisão
não foi dentro de uma cela, foi dentro do quartel. Porque eu não era uma pessoa
perigosa para estar trancafiado naquele local. E mesmo dentro do quartel você
sente. Imagine o Lula dentro de uma cela. O cara sente. Costumo dizer muitas
vezes: se você está comendo coisa não muito boa e passa a comer uma coisa boa,
legal. Mas, quando você está comendo bem e volta a comer uma coisa ruim, você
sente. Ele saiu de uma situação de líder para a de um cara preso, condenado por
corrupção. Apesar disso, não tenho nenhuma compaixão em relação a ele. Ele
estava trabalhando para roubar também a nossa liberdade. DA CADEIA – Lula:
críticas a Bolsonaro pelas redes sociais
“Ele saiu de uma situação de líder para a de um cara
preso, condenado por corrupção. Apesar disso, não tenho nenhuma compaixão por
ele. Ele estava trabalhando para roubar também a nossa liberdade”
Muitos consideram o seu governo uma ameaça à democracia. Os
caras usam o período militar, o fato de eu ser capitão do Exército, como se
aquele período fosse um período de terror. Acho que na balança houve muito mais
coisa positiva do que negativa. Se não fossem os dois choques do petróleo, o
Brasil estaria muito melhor. Qual ditadura faz uma campanha “Brasil, ame-o ou
deixe-o”? Você imagina a Coreia do Norte e Cuba fazendo isso daí? Não fica
ninguém lá, pô! Então fale as coisas ruins, tudo bem, mas fale as positivas
também. Isso é democracia.
Como o senhor avalia a atuação da bancada do PSL, o seu
partido? É um partido que foi criado, na verdade, em março do ano
passado e buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos
pegando qualquer um: “Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora”. E tem
muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu adotei na
internet. Só para ter uma ideia, o Major Olimpio, que estava em quarto em São
Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu falava: “Clica aqui.
Vote em um desses colegas nossos”. Teve muita gente que falou para mim: “Nossa,
eu não esperava me eleger”. Por isso o pessoal chegou aqui completamente
inexperiente, alguns achando que vou resolver o problema no peito e na raça.
Não é assim.
Existe possibilidade de o senhor mudar de partido? Quando
a gente se casa, a gente jura amor eterno. Está respondido?
Como o senhor vê o retorno de propostas de mudança de
sistema de governo?Vamos por partes. O Congresso quer participar do governo
como antigamente. Alguns pelo menos. Então sabe que a gente vai cumprir o que
prometeu durante a campanha. Agora todos os ministérios estão abertos para o
Congresso. Todo mundo é bem recebido e, havendo recurso e sendo justo, a gente
repassa. O parlamentarismo foi tentado duas vezes, se não me engano. É preciso
realizar um plebiscito. O povo, no meu entender, não seria favorável.
Seria uma maneira de esvaziar o poder do presidente? A
luta pelo poder existe até dentro de casa. A minha mulher, por exemplo, no
passado só podia ir ao shopping na hora do jogo do Palmeiras ou do Botafogo. E
daí ela fala: “Você vê futebol todo fim de semana”. “E você vê novela seis dias
por semana e não reclamo.” Não é um problema. É natural.
O seu comportamento pouco formal é alvo de críticas. O
senhor não exagera?Você deve estar falando do dia em que apareci com a
camisa do Palmeiras. Eu estava em recuperação. Tinha de usar roupa larga. A
matéria de vocês acabou sendo favorável. A camisa era falsificada mesmo. Não
vou falar de onde, mas, depois, chegaram três malas de camisas oficiais do
Palmeiras. Tem muitas camisas — todas originais. Não fiz aquilo para aparecer.
Foi maldade de vocês.
O senhor já recebeu alguma demanda não republicana? Sim,
mas é coisa raríssima. Uma ou duas vezes apareceu gente aqui pedindo alguma
coisa que a gente sabe que tem algo por trás. A gente compõe, conversa, não
cede, até porque, se você ceder uma vez, já era. Aí você escancara a porteira.
Compare os meus ministros com os do Temer, da Dilma e do Lula. Quem você acha
que tem o melhor ministério nos últimos anos? A gente vai ganhar de todo mundo.
Uma ou outra exceção, talvez.
Qual a importância da comunicação via Twitter? Acho
que sou a pessoa que consegue atingir mais gente no mundo, tem mais interações,
mais engajamento. Foi meu filho Carlos que começou a fazer isso daí — e foi
muito importante no sucesso de nossa campanha.
O Carlos continua autorizado a postar na sua conta? O
Carlos tem muita impetuosidade, quer resolver as coisas muito rapidamente. De
vez em quando há um atrito entre mim e ele em função da velocidade com que ele
quer resolver as questões.
Na campanha, o senhor disse que seria implacável com a
corrupção. E sou. Mas não posso punir ninguém antes de a culpa ficar
minimamente demonstrada. Veja o caso do ministro Marcelo Álvaro Antônio,
investigado por irregularidades eleitorais. Eu tenho um compromisso com o Moro.
Tem de ter algo de concreto. Só em cima de denúncias fica complicado. Ele nem é
réu ainda, não foi denunciado. Deixa apurar um pouquinho mais. Meu filho
Flávio, por exemplo, é acusado de envolvimento com laranjas no Rio de Janeiro.
Cada candidato recebeu 2 800 reais do partido. Então não vai falar em laranjal
com essa importância de recursos. “E foi dinheiro para quê?”, perguntei a ele.
“Para poder pagar contador e as despesas que os candidatos tiveram durante a
campanha”, porque entraram na chapa para compor. Depois, resolveram não fazer
campanha. É um absurdo.
O Ministério Público pediu a quebra dos sigilos do
Flávio. Isso o preocupa?Lógico. Se alguém mexe com um filho teu, não
interessa se ele está certo ou está errado, você se preocupa. Eu estava em casa
quando estourou o primeiro momento no Jornal Nacional. Um
milhão de reais para pagar um apartamento, não sei o quê. Eu estava com meu
filho Eduardo em casa, e eu conversando com ele: “Vou falar com o Flávio,
perguntar o que é isso, o cara pegando dinheiro do Queiroz e pagando
apartamento de 1 milhão de reais”. Flávio pagou um título bancário de 1 milhão
de reais à Caixa Econômica. Ele quitou um financiamento com o banco depois de
ter transferido os débitos que tinha com a construtora para a Caixa. Os
documentos estão registrados em cartório. Pô, o cara era deputado, a esposa
dele é dentista, tem uma renda, e a Caixa queria comprar a dívida dele.
Consequentemente, ele assume a dívida não mais com a construtora, mas com a
Caixa, pagando um pouquinho menos. Assim foi feito. Ponto-final.
“Se alguém mexe com um filho teu, não interessa se ele
está certo ou está errado, você se preocupa. (… ) O Carlos tem muita
impetuosidade. De vez em quando há um atrito aqui entre mim e ele em função da
velocidade com que ele quer resolver as questões”
Mas houve denúncias de que ele fazia os depósitos picados
na conta dele para esconder a origem do dinheiro. São os tais 96 000 reais
em depósitos de 2 000. Ele vendeu um apartamento, recebeu em dinheiro e fez os
depósitos na conta dele. Um relatório do Coaf diz que, entre junho e julho de
2017, foram identificados 48 depósitos, de 2 000 reais cada um, na conta do
Flávio. O valor de 2 000 é o máximo permitido para depósitos em envelope no
terminal de autoatendimento da Assembleia Legislativa do Rio. Falaram que os
depósitos fracionados eram para fugir do Coaf. Dois mil reais é o limite que
você pode botar no envelope. O que tem de errado nisso? Aí vem o Queiroz.
Realmente tem dinheiro de funcionário na conta dele. O Coaf disse que há
movimentações financeiras suspeitas e incompatíveis com o patrimônio do
Queiroz. Mas quem tem de responder a isso é o Queiroz.
“Estou chateado porque teve os depósitos na conta dele,
ninguém sabia disso, e ele tem de explicar. Eu conheço o Queiroz desde 1984.
Foi meu soldado na Brigada de Infantaria”
O senhor continua considerando o ex-policial Fabrício
Queiroz como amigo? Estou chateado porque houve depósitos na conta dele,
ninguém sabia disso, e ele tem de explicar isso daí. Eu conheço o Queiroz desde
1984. Foi meu soldado, recruta, paraquedista na Brigada de Infantaria
Paraquedista. Ele era um policial bastante ativo, tinha alguns autos de
resistência, contou que estava enfrentando problemas na corporação. Vocês sabem
que esse pessoal de esquerda costuma transformar muito rapidamente auto de
resistência em execução. Aí começou a trabalhar conosco. E você sabe que lá no
Rio você precisa de segurança. Eu mesmo já usei o Queiroz várias vezes. Teve um
episódio dele com o meu filho em Botafogo, um assalto na frente de casa, e o
Queiroz, impetuoso, saiu para pegar o cara. Então existe essa amizade comigo,
sim. Pode ter coisa errada? Pode, não estou dizendo que tem. Mas tem o
superdimensionamento porque sou eu, porque é meu filho. Ninguém mais do que eu
quer a solução desse caso o mais rápido possível.
Na campanha, o senhor se dizia contra a reeleição. O que
mudou? O que eu falei é que se a gente fizer uma boa reforma política
eu topo ir para o sacrifício e não disputar a reeleição. Porque um dos grandes
problemas do Brasil na política é a reeleição. O cara chega ao final do
primeiro mandato dele, ou ele quer continuar no poder, que lhe deu fama e
prestígio, ou ele quer continuar porque se o outro, o adversário, assumir vai
levantar os esqueletos que ele tem no armário. Existe isso no Brasil. Então o
meu caso é o seguinte: com uma boa reforma política, que diminuiria o número de
parlamentares de 500 para 400, entre outras coisas mais, eu toparia entrar
nesse bolo aí de não disputar a eleição.
Presidente, qual foi a primeira coisa que lhe veio à
cabeça quando o senhor recebeu a facada? No primeiro momento eu não vi
que era uma facada. Eu senti a batida. Parecia que foi um soco ou uma bolada. E
eu levantei a camisa e vi um rasgo de uns três dedos. Falei pro meu assessor:
“Fica tranquilo, foi uma porrada, já vai passar”. E não sangrava. É lógico que
não sangrava. O sangue estava jorrando lá por dentro. Daí alguém teve a ideia
de me levar para a Santa Casa. Eu dei uma sorte terrível.
Quando percebeu que não era uma bolada? Vi o
furo e pensei que tinha sido rasgado com um soco inglês. Doía muito. Cheguei
consciente ao hospital, e me levaram para fazer uma radiografia. Lembro que o
médico falou: “Não faz nada, corta”. Não tinha tempo. O cara começou a pegar a
pulsação… E daí só lembro que senti uma tesoura cortando. Quando acordei, me
perguntaram: “Quer ir para onde? Sírio-Libanês? Albert Einstein?”. Quando
entrei no avião, não sabia para onde estava indo. O médico perguntou: “Está
doendo? Quer tomar um analgésico?”. Eu falei: “Quero”. Dormi durante a viagem
para São Paulo. No aeroporto acordei, me levaram para um helicóptero e fui para
o Albert Einstein. Não teria sobrevivido se não tivessem me levado pra lá.
Perdi 2 litros e meio de sangue. Mas, graças a Deus, sobrevivi. Foi um milagre.
Como é ver a morte tão perto? Você vê a vida de
novo. Você vê passar um filme na cabeça desde quando você teve consciência de
que era um ser humano na Terra. (choro) Vem uma imagem à sua
cabeça. Eu vi minha filha Laura de 7 anos. Ela vai ficar órfã? Eu morrer, vamos
assim dizer, até faz parte da vida. Mas como é que vai ser a vida dessa menina
aí perdendo o pai tão cedo?
“Errei no começo quando indiquei o Vélez como ministro.
Foi uma indicação do Olavo de Carvalho? Foi, não vou negar. Chegamos à
conclusão de que era preciso trocar, e trocamos”
O que o senhor achou da decisão da Justiça de considerar
inimputável o seu agressor? Esse cara aí viajava o Brasil todo, esse
cara aí tinha um cartão de crédito, esse cara frequentou academia de tiro em
Santa Catarina, foi filiado ao PSOL até 2014. Surpreendentemente, em 6 de
setembro, dia do crime, o nome dele apareceu no cadastro de visitantes do
Congresso. Isso ia ser usado como álibi, caso ele não tivesse sido preso em
flagrante. É tudo muito suspeito.
Continua convicto de que foi um crime encomendado? Sim.
Eu tenho poder sobre a Polícia Federal e posso dizer: “Bota aí 200 caras no caso
e corre atrás”. Não estou fazendo nada disso. Estou aguardando o Moro me
informar. Não quero me vitimizar nem inventar um culpado para o episódio, mas
isso não saiu da cabeça dele.
Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637
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