Não me sinto obrigado a escrever sobre meio ambiente nesta
semana. Trato do assunto a maior parte do tempo. Este ano, estamos diante de
algo histórico para o Brasil e, de uma certa forma, para o planeta.
Pela primeira vez, em todo o período democrático, temos um
governo que é cético a respeito do aquecimento global e acha que o Brasil tem
muito ainda a desmatar. Os fatos se sucedem em várias frentes. Na mais ampla
delas, a do aquecimento, o governo o considera uma invenção do marxismo
globalizante.
Essa associação entre o marxismo e o meio ambiente contribui
para retardar a tomada de consciência de muita gente. Não consigo entender como
se sustenta. Quem conheceu os países do Leste Europeu, onde o marxismo era a
ideologia oficial, percebe que comunismo teve um papel devastador.
Não só aconteceu o desastre de Chernobyl: muitas usinas
nucleares do período ainda são um dado preocupante para toda a Europa.
Associar o marxismo à luta ambiental é reduzir sua dimensão.
Como correspondente na Europa, cobri uma manifestação dos skin heads em
Dresden. Eram simpáticos ao nazismo, mas colocavam o meio ambiente como uma de
suas bandeiras, ao lado de expulsar os estrangeiros e outras barbaridades.
O tema é tão forte que ultrapassa divisões ideológicas e
partidárias. No entanto, o governo parece caminhar para essa tese singular de
que meio ambiente é algo da esquerda; logo, é preciso desmontar a política
ambiental que o Brasil construiu com seus parceiros como a Noruega e a
Alemanha.
Para começar, demitiu a direção do Fundo Amazônia,
financiado por aqueles dois países. Agora, quer usar dinheiro do Fundo para
indenizar proprietários, alguns deles possivelmente grileiros. Se o Fundo não
tivesse resultados positivos, os próprios noruegueses e alemães já teriam
reclamado. No entanto, estavam satisfeitos.
Bolsonaro insiste também em acabar com a Estacão Ecológica
de Tamoios para transformar a região numa Cancún brasileira. Acha que pode
fazer isso por decreto. Vai se dar mal, se tentar. É ilegal e, além disso,
pateticamente inadequado. Espero que seus eleitores compreendam isto. Angra não
é Cancún, o mar é diferente; a geografia, as condições sociais, a presença de
usinas nucleares, tudo desaconselha.
Não temo a destruição do planeta, como nos advertem nos
hotéis para evitar troca excessiva de toalhas. O planeta continua, não podemos
acabar com ele, mas apenas com as condições para a existência humana.
Ainda não se avaliou o impacto das posições de Bolsonaro em
nossa imagem externa. O Brasil está se isolando. Em alguns lugares como Nova
York, o prefeito faz campanha contra sua presença.
Em outros, como Dallas, o prefeito, mais ponderado, assim
como o presidente do Chile, limita-se a reconhecer que Bolsonaro teve 57
milhões de votos, mas acentua que não concorda com suas ideias.
O próprio “Financial Times”, um veículo conservador,
levantou a hipótese de Bolsonaro se tornar uma espécie de pária do liberalismo.
Não seria bom para ele nem para nós. As pessoas se
acostumaram a contar com o Brasil no esforço de preservação, a senti-lo como
uma parte integrante do planeta, decisiva para o futuro comum.
Nesta semana do meio ambiente, os governos de Goiás e Mato
Grosso lançam um grande programa de recuperação do Rio Araguaia. Haverá um ato
na divisa dos dois estados.
Bolsonaro parece que vai comparecer, incluindo, pelo menos,
a recuperação de um dos mais importantes rios brasileiros na sua agenda. É uma
oportunidade que tem de atenuar sua hostilidade contra o meio ambiente, sua
admiração por um tipo de progresso empobrecedor.
Ao compreender a importância das águas, que não podem ser
substituídas por Coca-Cola, deveria se dar conta também do absurdo de
transformar uma estação ecológica em Cancún.
Ajudaria também a romper o isolamento se ele fosse mais
discreto no seu humor. A história de dizer que tudo no Japão é pequeno
constrange os mais antigos, que ainda se lembram desse tipo de piada.
Ela pode ter alguma graça entre os frequentadores de uma
Cancún construída sobre as frágeis ilhotas de Angra, à sombra das usinas
nucleares. Apenas confirma sua fixação no órgão genital masculino e aumenta o
medo de que a ignorância realmente vai esmagar o conhecimento humano.
Artigo publicado no jornal O Globo em 03/06/2019
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