segunda-feira, 3 de junho de 2019

A EXCEÇÃO BRASILEIRA

Demétrio Magnoli, O GLOBO
O “Deus de Trump” surgiu, como motor da História, num artigo de Ernesto Araújo publicado em novembro. Em fevereiro, Eduardo Bolsonaro juntou-se ao movimento de partidos populistas de direita articulado por Steve Bannon, que apresentou o rebento 03 como seu “representante na América Latina”. Na visita presidencial aos EUA, em março, a comitiva brasileira ofereceu um jantar que teve Bannon como convidado especial. Depois, em abril, o 03 fez um giro europeu para se reunir com líderes da direita nacionalista, iniciado por um encontro com o viceprimeiro-ministro italiano, Matteo Salvini. Aparentemente, o bolsonarismo deve ser descrito como expressão brasileira da onda nacionalista e populista que varre o Ocidente. De fato, porém, o bolsonarismo é uma exceção —e tem pés de barro.
A poesia épica do populismo nasce na gramática do medo. De Trump a Salvini, nos EUA e na Europa, a angústia, a insegurança diante do futuro alimentou a onda populista em curso, que não dá sinais de retrocesso. Nesse sentido genérico, o Brasil acompanhou a tendência internacional. Bolsonaro foi catapultado ao Planalto por eleitores temerosos, inseguros, indignados. Mas, por aqui, os eleitores não foram seduzidos pela narrativa ideológica do bolsonarismo. O voto negativo, não a adesão política, definiu o triunfo de um líder carente de bases sociais sólidas. Aí reside nossa excepcionalidade.
O grande tropeço da globalização, iniciado em 2008, deflagrou a ascensão do populismo nacionalista. Trump venceu no Colégio Eleitoral (mas não no voto popular) apoiando-se na baixa classe média branca de estados submetidos à corrosão da indústria tradicional. A crise do euro, seguida por longos programas de austeridade econômica, inflou o balão dos partidos da nova direita europeia. Dos megafones de Trump, Salvini, Le Pen, Farage, Orbán e tantos outros emanam as conclamações antiliberais do nativismo, da xenofobia e do protecionismo. A poesia gritada seduz vastas camadas do eleitorado, que buscam respostas simples a dilemas complexos.
No Brasil, Bolsonaro também emergiu do caos: a depressão econômica armada pelas estratégias fiscais do lulo-dilmismo. O voto antipetista, no cenário de desmoralização da elite política derivado da Lava-Jato, desviou-se de seu desaguadouro natural, que seria o PSDB. A campanha bolsonarista certamente apertou as teclas sensíveis da corrupção e da criminalidade, mas o sucesso derivou do colapso catastrófico do sistema político. Lá fora, uma corrente histórica profunda impulsiona a nova direita nacionalista. Aqui, um cruzamento de circunstâncias nacionais fortuitas colocou um político obscuro no trono presidencial.
Bolsonaro não entendeu isso. Hipnotizado pelo Bruxo da Virgínia, que controla seus filhos, o presidente casual copia discursos exógenos, isolando-se num gueto ideológico. A bandeira das estrelas, o muro da fronteira e o muro das tarifas ajustam-se ao projeto de poder de Trump, pois respondem ilusoriamente às angústias legítimas dos órfãos da globalização, prometendo prosperidade, emprego e renda. Já a camiseta verde-amarela de Bolsonaro, estampada com pistolas e fuzis, só excita as emoções de um núcleo minoritário de fiéis incondicionais.
Os espectros da China, dos imigrantes e do Islã circulam nos EUA e na Europa como alvos perfeitos para os poetas histéricos do nacionalismo. No Brasil, porém, não passam de ecos longínquos de uma guerra alienígena. O bolsonarismo ideológico tenta substituí-los por “inimigos da pátria” endógenos: políticos corruptos, criminosos comuns e “comunistas” de cartolina. No circuito fechado das redes sociais, o exercício de mimetismo pode perdurar indefinidamente, como uma oração repetida por gerações de fanáticos. No mundo real, estiola-se de encontro às rochas da indiferença, da ironia e do sarcasmo.
O “Deus de Trump” é uma divindade estrangeira, incapaz de se aclimatar nos trópicos brasileiros. O bolsonarismo ideológico é uma ideia fora do lugar, um curto parêntesis nas cerimônias fúnebres da Nova República.
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