O “Deus de Trump” surgiu, como motor da História, num artigo
de Ernesto Araújo publicado em novembro. Em fevereiro, Eduardo Bolsonaro
juntou-se ao movimento de partidos populistas de direita articulado por Steve
Bannon, que apresentou o rebento 03 como seu “representante na América Latina”.
Na visita presidencial aos EUA, em março, a comitiva brasileira ofereceu um
jantar que teve Bannon como convidado especial. Depois, em abril, o 03 fez um
giro europeu para se reunir com líderes da direita nacionalista, iniciado por
um encontro com o viceprimeiro-ministro italiano, Matteo Salvini.
Aparentemente, o bolsonarismo deve ser descrito como expressão brasileira da
onda nacionalista e populista que varre o Ocidente. De fato, porém, o
bolsonarismo é uma exceção —e tem pés de barro.
A poesia épica do populismo nasce na gramática do medo. De
Trump a Salvini, nos EUA e na Europa, a angústia, a insegurança diante do
futuro alimentou a onda populista em curso, que não dá sinais de retrocesso.
Nesse sentido genérico, o Brasil acompanhou a tendência internacional.
Bolsonaro foi catapultado ao Planalto por eleitores temerosos, inseguros,
indignados. Mas, por aqui, os eleitores não foram seduzidos pela narrativa
ideológica do bolsonarismo. O voto negativo, não a adesão política, definiu o
triunfo de um líder carente de bases sociais sólidas. Aí reside nossa
excepcionalidade.
O grande tropeço da globalização, iniciado em 2008,
deflagrou a ascensão do populismo nacionalista. Trump venceu no Colégio
Eleitoral (mas não no voto popular) apoiando-se na baixa classe média branca de
estados submetidos à corrosão da indústria tradicional. A crise do euro,
seguida por longos programas de austeridade econômica, inflou o balão dos
partidos da nova direita europeia. Dos megafones de Trump, Salvini, Le Pen,
Farage, Orbán e tantos outros emanam as conclamações antiliberais do nativismo,
da xenofobia e do protecionismo. A poesia gritada seduz vastas camadas do
eleitorado, que buscam respostas simples a dilemas complexos.
No Brasil, Bolsonaro também emergiu do caos: a depressão
econômica armada pelas estratégias fiscais do lulo-dilmismo. O voto
antipetista, no cenário de desmoralização da elite política derivado da
Lava-Jato, desviou-se de seu desaguadouro natural, que seria o PSDB. A campanha
bolsonarista certamente apertou as teclas sensíveis da corrupção e da
criminalidade, mas o sucesso derivou do colapso catastrófico do sistema
político. Lá fora, uma corrente histórica profunda impulsiona a nova direita nacionalista.
Aqui, um cruzamento de circunstâncias nacionais fortuitas colocou um político
obscuro no trono presidencial.
Bolsonaro não entendeu isso. Hipnotizado pelo Bruxo da
Virgínia, que controla seus filhos, o presidente casual copia discursos exógenos,
isolando-se num gueto ideológico. A bandeira das estrelas, o muro da fronteira
e o muro das tarifas ajustam-se ao projeto de poder de Trump, pois respondem
ilusoriamente às angústias legítimas dos órfãos da globalização, prometendo
prosperidade, emprego e renda. Já a camiseta verde-amarela de Bolsonaro,
estampada com pistolas e fuzis, só excita as emoções de um núcleo minoritário
de fiéis incondicionais.
Os espectros da China, dos imigrantes e do Islã circulam nos
EUA e na Europa como alvos perfeitos para os poetas histéricos do nacionalismo.
No Brasil, porém, não passam de ecos longínquos de uma guerra alienígena. O
bolsonarismo ideológico tenta substituí-los por “inimigos da pátria” endógenos:
políticos corruptos, criminosos comuns e “comunistas” de cartolina. No circuito
fechado das redes sociais, o exercício de mimetismo pode perdurar
indefinidamente, como uma oração repetida por gerações de fanáticos. No mundo
real, estiola-se de encontro às rochas da indiferença, da ironia e do sarcasmo.
O “Deus de Trump” é uma divindade estrangeira, incapaz de se
aclimatar nos trópicos brasileiros. O bolsonarismo ideológico é uma ideia fora
do lugar, um curto parêntesis nas cerimônias fúnebres da Nova República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário