A figura moderna e democrática do presidente da República
surgiu nos Estados Unidos, em 1787, a substituir a autoridade e a imagem
simbólica do então rei da Inglaterra.
Presidentes vivem em palácios, cercam-se de cortesãos e se
apresentam ao eleitorado como a grande liderança individual do país. Entretanto
submetem-se a mandatos fixos e têm seus poderes regulados por leis e demais
instituições.
No Planalto, Jair Bolsonaro (PSL) vai se atrapalhando com
limites e conceitos. “Querem
me deixar como rainha da Inglaterra?”, queixou-se do Congresso Nacional,
poucos dias atrás, a respeito de um projeto que impõe regras às indicações para
agências reguladoras, afinal sancionado
com vetos.
O incômodo decerto tem mais razões. O mandatário não se
conformou, por exemplo, ao ver rejeitado pelo Legislativo o trecho de uma
medida provisória que transferia ao Ministério da Agricultura —no qual
predomina a influência dos produtores rurais— a atribuição de demarcar terras
indígenas.
Neste mês, o governo voltou ao assunto por meio de uma nova
MP, restabelecendo o ditame original. “Quem
demarca terra indígena sou eu. Não é ministro. Quem manda sou eu”, declarou
Bolsonaro.
O tom monarquista, felizmente, não se repetiu na exposição
oficial de motivos da medida. Ali o Executivo argumenta, com sobriedade, que o
Congresso extrapolou suas prerrogativas ao legislar sobre diretrizes
administrativas reservadas pela Constituição ao presidente.
Fato é que, na segunda (24), o ministro Luís Roberto
Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu
a vigência do novo texto, apontando que a Carta veda a reedição de MP num
mesmo período legislativo. No dia seguinte, o presidente do Senado e do
Congresso anunciou que o dispositivo seria rejeitado pelo mesmo motivo.
Trata-se claramente de um tipo de conflito que poderia ser
resolvido mais facilmente pela via da negociação política —ou reservado a
objetivos mais fundamentais.
O padrão se repete com os esdrúxulos decretos que
ampliavam, de modo juridicamente duvidoso, o porte de armas de fogo. O Senado
barrou a ofensiva, e a Câmara se inclinava a seguir o exemplo. A iminência da
derrota levou o Planalto a substituir os textos e enviar projeto de lei sobre o
tema.
Bolsonaro dedica energia desproporcional a aspectos mais
ideológicos e populistas de sua agenda, incluindo do patrulhamento de
professores ao afrouxamento das regras de trânsito —e até à volta das corridas
de Fórmula 1 ao Rio.
Ao contrário do que entenderam muitos cortesãos palacianos,
a vitória eleitoral não leva um programa de governo ao trono. Se o presidente
dispõe de legitimidade para propor o que julga correto, nem um amplo respaldo
popular, nada palpável hoje, autoriza o atropelo das normas republicanas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário