A primeira virada de mesa elaborada por Sergio Moro
prosperou no ato inicial, mas ficou em suspenso antes do segundo. Pode parar
aí, como pode seduzir interesses que imponham a destruição
das mensagens captadas nos celulares invadidos.
Além desse risco, há várias alternativas ao método Moro para
impedir as consequências apropriadas às ilicitudes e faltas morais que
comprometem o então juiz, o procurador
Deltan Dallagnol e
muitos outros. Ainda haverá estoque de decência para impedir a virada de mesa?
Eis a questão.
A pressa com que Moro se pôs a dizer que “as
mensagens serão destruídas”sugeriu que está ainda pior na fita. Sua pressa
paralela, para informar Bolsonaro, os presidentes do Senado e da Câmara, alguns
ministros, juízes e parlamentares de terem sido também invadidos, foi mais do
que gentileza.
A cada um deles disse que “o material será destruído”, um
adendo que colhia, pela tranquilização, o imediato apoio à medida. O presidente
do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, citado em recente
noticiário negativo, deu ênfase pública à adesão: “É
isso que tem de ocorrer”.
Uma vez ocorrido, a borracha brasileira apagaria o
publicado, a publicar e as respectivas memórias. Mas talvez não apague a
concepção jurídica de que “só o Judiciário tem o poder de tal destruição”, como
lembram alguns juristas, togados ou não. E, desde que há material referente a
pessoas com foro privilegiado, é exclusiva do Supremo Tribunal Federal a
decisão de destruir, como rebateu o ministro Marco
Aurélio Mello —desde sempre ressabiado com os saberes jurídicos de
Moro.
Os dias de hoje não fazem a atualidade. O passado tomou
muito de volta, raso de cabeça e grosso na atitude. A ele são bem capazes de
recorrer os interessados em virar a mesa do seu desmascaramento. Para valer-se
da aliança com os militares do Exército, não hesitariam em apelar para uma
velha e oca ferramenta verbal, autora histórica de inúmeras barbaridades: a
“segurança nacional”. Expor viciosas condutas adotadas em nome da moralidade e
de nova vida pública, ah, que ousadia desses esquerdistas e corruptos contra a
“segurança nacional”.
Bolsonaro já encaminhou essa via. Definiu a alegada invasão
do seu celular como “atentado grave contra o Brasil e suas instituições”. Não
foi o que disse quando os telefones da presidente Dilma Rousseff foram
hackeados por agentes americanos. Nenhum dos indignados com as revelações
do The Intercept Brasil, em comum com a Folha, teve qualquer
palavra de repúdio àquele verdadeiro “atentado grave contra o Brasil e suas
instituições”.
O caso mesmo das revelações aqui atesta a competência da
Polícia Federal. É equivalente, parece, à incerteza que se tem quanto ao uso e
direção dessa competência. Não é preciso exemplificar com a Lava Jato. No
episódio do caixote com dólares de Cuba, para a campanha de Lula à Presidência,
a PF assombrou com a promoção de uma caixa de bebida vulgar a arma
antieleitoral.
O dinheiro plantado na campanha de Roseana Sarney, para ser
“descoberto” pela PF, foi um escândalo retribuído a um delegado na eleição em Minas.
E a história dos “trapalhões do PT”, manejada por cordéis da Procuradoria da
República em Mato Grosso, cujo final não pôde evitar a exclusão de um delegado.
Tudo e sempre em benefício do PSDB.
A Polícia Federal está entregue a Sergio Moro. Logo, a alguém
que teve o celular sugado e que está exposto, nas mensagens captadas, pelo que
um juiz honrado não pode dizer nem fazer. Sergio Moro, portanto, figura em duas
condições no inquérito que transcorre sob sua responsabilidade ministerial.
Considerado o nível de lisura em sua participação na Lava Jato, são também duas
as razões para que não permanecesse onde está: a formalmente óbvia e a dos
antecedentes de interferência nas investigações da Procuradoria da República e
da Polícia Federal.
Moro fez escutas ilegais. Divulgou escutas ilegais. Gravou
conversas de advogados e outras pessoas isentas de suspeita. Deltan Dallagnol
foi um associado de Moro com exibições de fanatismo e messianismo até na TV.
Os vazamentos
ilegais integraram a atividade de ambos como prática banal. Nós outros
ouvimos e vimos tudo isso. Agora queremos ouvir e ler o que diziam às
escondidas. Nada de destruir o material captado.
Os dois e seus companheiros de missão político-judicial já
fizeram bastante destruição, não precisam fazer mais uma.
Janio de Freitas
Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário