terça-feira, 30 de julho de 2019

NADA DE DESTRUIÇÃO

Janio de Freitas, Folha de S.Paulo
A primeira virada de mesa elaborada por Sergio Moro prosperou no ato inicial, mas ficou em suspenso antes do segundo. Pode parar aí, como pode seduzir interesses que imponham a destruição das mensagens captadas nos celulares invadidos.
Além desse risco, há várias alternativas ao método Moro para impedir as consequências apropriadas às ilicitudes e faltas morais que comprometem o então juiz, o procurador Deltan Dallagnol e muitos outros. Ainda haverá estoque de decência para impedir a virada de mesa? Eis a questão.
A pressa com que Moro se pôs a dizer que “as mensagens serão destruídas”sugeriu que está ainda pior na fita. Sua pressa paralela, para informar Bolsonaro, os presidentes do Senado e da Câmara, alguns ministros, juízes e parlamentares de terem sido também invadidos, foi mais do que gentileza.
A cada um deles disse que “o material será destruído”, um adendo que colhia, pela tranquilização, o imediato apoio à medida. O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, citado em recente noticiário negativo, deu ênfase pública à adesão: “É isso que tem de ocorrer”.
Uma vez ocorrido, a borracha brasileira apagaria o publicado, a publicar e as respectivas memórias. Mas talvez não apague a concepção jurídica de que “só o Judiciário tem o poder de tal destruição”, como lembram alguns juristas, togados ou não. E, desde que há material referente a pessoas com foro privilegiado, é exclusiva do Supremo Tribunal Federal a decisão de destruir, como rebateu o ministro Marco Aurélio Mello —desde sempre ressabiado com os saberes jurídicos de Moro.
Os dias de hoje não fazem a atualidade. O passado tomou muito de volta, raso de cabeça e grosso na atitude. A ele são bem capazes de recorrer os interessados em virar a mesa do seu desmascaramento. Para valer-se da aliança com os militares do Exército, não hesitariam em apelar para uma velha e oca ferramenta verbal, autora histórica de inúmeras barbaridades: a “segurança nacional”. Expor viciosas condutas adotadas em nome da moralidade e de nova vida pública, ah, que ousadia desses esquerdistas e corruptos contra a “segurança nacional”.
Bolsonaro já encaminhou essa via. Definiu a alegada invasão do seu celular como “atentado grave contra o Brasil e suas instituições”. Não foi o que disse quando os telefones da presidente Dilma Rousseff foram hackeados por agentes americanos. Nenhum dos indignados com as revelações do The Intercept Brasil, em comum com a Folha, teve qualquer palavra de repúdio àquele verdadeiro “atentado grave contra o Brasil e suas instituições”.
O caso mesmo das revelações aqui atesta a competência da Polícia Federal. É equivalente, parece, à incerteza que se tem quanto ao uso e direção dessa competência. Não é preciso exemplificar com a Lava Jato. No episódio do caixote com dólares de Cuba, para a campanha de Lula à Presidência, a PF assombrou com a promoção de uma caixa de bebida vulgar a arma antieleitoral. 
O dinheiro plantado na campanha de Roseana Sarney, para ser “descoberto” pela PF, foi um escândalo retribuído a um delegado na eleição em Minas. E a história dos “trapalhões do PT”, manejada por cordéis da Procuradoria da República em Mato Grosso, cujo final não pôde evitar a exclusão de um delegado. Tudo e sempre em benefício do PSDB.
A Polícia Federal está entregue a Sergio Moro. Logo, a alguém que teve o celular sugado e que está exposto, nas mensagens captadas, pelo que um juiz honrado não pode dizer nem fazer. Sergio Moro, portanto, figura em duas condições no inquérito que transcorre sob sua responsabilidade ministerial. Considerado o nível de lisura em sua participação na Lava Jato, são também duas as razões para que não permanecesse onde está: a formalmente óbvia e a dos antecedentes de interferência nas investigações da Procuradoria da República e da Polícia Federal.
Moro fez escutas ilegais. Divulgou escutas ilegais. Gravou conversas de advogados e outras pessoas isentas de suspeita. Deltan Dallagnol foi um associado de Moro com exibições de fanatismo e messianismo até na TV. Os vazamentos ilegais integraram a atividade de ambos como prática banal. Nós outros ouvimos e vimos tudo isso. Agora queremos ouvir e ler o que diziam às escondidas. Nada de destruir o material captado. 
Os dois e seus companheiros de missão político-judicial já fizeram bastante destruição, não precisam fazer mais uma.
Janio de Freitas
Jornalista
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