Neste momento em especial da vida política brasileira, temos
à frente da República um presidente que busca livrar-se psicologicamente de
culpa e de atos social e politicamente inaceitáveis, atribuindo-os a outros.
Todos nós, brasileiros, estamos percebendo que não é fácil
conhecer um governante e por isso mesmo vale um rápido mergulho na psicanálise,
como fez Freud, para melhor compreender o comportamento humano. Aquele
extraordinário psicanalista foi talvez quem mais se aprofundou no reino
inconsciente de desejos reprimidos que levam os homens a se afastar das regras
de condutas aceitáveis.
Freud observou que no reino político, mais do que em
qualquer outro, o inconsciente se manifesta e por isso os homens raramente
admitem motivos egoístas, ao mesmo tempo que procuram racionalizar e criar
bodes expiatórios para justificar crueldades. Esse o motivo também por que
projetam a culpa sobre os outros, responsabilizando-os – como, por exemplo, no
caso das queimadas na Amazônia.
Para predizer e compreender o comportamento de políticos com
essa natureza, a atenção deve estar voltada não apenas para os seus atos, mas para
os motivos psicológicos existentes por detrás deles. É extremamente
preocupante, no caso do nosso presidente, que ele não se preocupe em ser
compreendido nem demonstre que é capaz de compreender a realidade que enfrenta
no dia a dia.
Neste momento em especial, pesa sobre ele uma forte
incompreensão universal, à qual não parece dar muita importância. Praticamente
todos os países se incomodam com a destruição da Amazônia, mas nosso presidente
age como se todos estivessem errados e somente ele estivesse certo. Às vezes
parece preferir o isolamento, abandonando de vez o caminho mais seguro da
diplomacia (de outra parte, é incrível não perceber que a indicação de um de
seus filhos para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos choca grande parcela
dos brasileiros, soando como algo leviano e ao mesmo tempo autoritário).
Essa conduta faz lembrar Erich Fromm, outro psicólogo de
expressão, para quem o homem moderno está possuído por sentimentos de
inferioridade, insegurança, impotência, solidão, humilhação e insignificância.
Por isso é muitas vezes levado a aparentar superioridade, segurança, poder,
integração, prestígio e glória na área política, “especialmente por meio de
ideologias e movimentos totalitários”.
Os estudos desse psicanalista indicam também que na complexa
sociedade urbana e industrial o homem se defronta com grandeza, forças
impessoais e questões complicadas que desafiam sua compreensão, diminuem seus
poderes de controle e o fazem sentir-se isolado e impotente.
Nesse panorama, incapaz de enfrentar conscientemente a
adversidade, ele foge de sua liberdade para os braços de ideologias
totalitárias, as quais oferecem explicações agradáveis para o seu destino,
assim como respostas amplas, embora simples, para os seus problemas.
Os cientistas da psicologia são unânimes em afirmar que as
ideologias e os movimentos totalitários oferecem refúgio contra as ansiedades e
a falta de significação da existência individual. É como se libertassem os
homens de seus complexos e fraquezas.
Percebe-se que o País vive um desses momentos nas mãos de
pessoa instável e fortemente autoritária, a ponto de a toda hora repetir: “Quem
manda aqui sou eu”. Esse comportamento já o levou a externar condenável conduta
em relação ao ministro Sergio Moro, talvez a pessoa mais admirada entre os
brasileiros.
Com o propósito de ampliar o combate à corrupção que vinha
travando na Operação Lava Jato, Sergio Moro aceitou convite de Jair Bolsonaro
para assumir incondicionalmente o Ministério da Justiça, ao menos no referente
à corrupção. Mas com o surgimento de fatos novos e incompreensões que a toda
hora abalam o governo, o presidente passou várias vezes por cima da autoridade
de Moro, humilhando-o daquela forma já conhecida: “O ministro da Justiça é ele,
mas quem manda sou eu”.
Também em relação a outros auxiliares a insegurança pessoal
do presidente se reflete na forma de autoritarismo, deixando claro que, se
depender dele, estaremos, sim, correndo o risco da implantação de um governo
autoritário (isso num momento em que o País parece desejar apenas mais
competência e respeito).
O totalitarismo registrado em diferentes partes do mundo
sempre esteve relacionado a fatores com natureza de crise, como catástrofe
econômica (Venezuela), humilhação nacional e desorganização social (Cuba).
Lembre-se que os cubanos se voltaram contra o então presidente Fulgêncio
Batista porque ele se tornara abertamente corrupto e por suas políticas
ditatoriais.
Há um fato histórico que assusta, pelo risco de poder se
repetir. A persistente tirania e a grande ineficiência do regime de Batista
fornecera o catalisador que permitiu a um líder carismático, Fidel Castro,
reunir os grupos descontentes na sociedade cubana.
Fidel havia sido condenado a 15 anos de prisão, mas foi
libertado em 1955 e logo partiu para o México, onde treinou uma força
expedicionária para futura invasão de Cuba. No Brasil temos o ex-presidente
Lula cumprindo pena e a cada dia ganhando maior força política, graças a um
governo inseguro que parece desabar ladeira abaixo. Incrível, as incertezas de
Bolsonaro são ótimas para Lula e o PT.
Além disso, os ataques pessoais tão característicos do
presidente, mais a inclinação para repetir que ele é que manda, deixam entrever
que não oscilará no caminhar para um regime autoritário. Melhor seria se desse
mais atenção à enorme parcela da população que não tem nada e não recebe nada.
*Desembargador aposentado do TJSP, foi secretário de Justiça
do Estado de São Paulo.
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