Ao falar em internacionalização da Amazônia, o francês
Emmanuel Macron mexeu com os brios brasileiros e deu ao presidente Jair
Bolsonaro um discurso poderoso e aglutinador baseado em duas palavras mágicas:
soberania e patriotismo. Mesmo antibolsonaristas convictos caíram nessa. Mexeu
com a pátria, mexeu comigo.
Com esse discurso, Bolsonaro deu voz unida e reuniu
novamente os militares do seu governo em torno dele. Ordem, disciplina,
patriotismo. E não se fala mais de demissões de generais nem de medalha para o
guru que os tratava aos palavrões.
Com o escorregão de Macron, todos perfilaram, bateram
continência e respiraram aliviados por ter bons motivos para reverenciar o
capitão que virou “comandante em chefe.” Ele manda, eles obedecem. Ele cobra
soberania e patriotismo, eles adoram. Ele grita “a Amazônia é nossa”, eles
fazem coro. O resto é passado.
Se une os militares, o presidente também usa Macron e a
Amazônia para animar a sua tropa real e virtual e deve estar se divertindo à
beça com os “inimigos” que tanto falaram mal de suas posições devastadoras
sobre o meio ambiente e agora se sentem obrigados a reconhecer que Macron passou
do ponto, é um atrevido.
Enquanto os três Poderes dão tratos à bola para reunir
recursos para proteger a Amazônia e o governo toma medidas práticas contra
desmatamento e queimadas, Bolsonaro vai tirando proveito político da crise e
cobra pedido de desculpas de Macron, que o chamou de “mentiroso”, apesar de ele
ter atacado primeiro, com a “live” cortando o cabelo na hora marcada para o
chanceler francês.
Sem falar do seu filho, candidato a embaixador – e em
Washington! – chamando o presidente da França de “idiota” e do próprio
presidente rindo de um ataque vil, grosseiro, contra Brigitte, mulher de
Macron, que é muitos anos mais velha do que ele, assim como a linda Michelle é
muitos anos mais nova do que Bolsonaro. Quem pode ser a favor de uma coisa dessas?
É um círculo vicioso: Bolsonaro posta na internet ou fala
alguma barbaridade qualquer no Alvorada e passa o dia se deliciando com a
perplexidade geral, enquanto aumenta os ataques contra a mídia e os
jornalistas. Ou seja: ele cria frases e fatos contra ele, espera a mídia
divulgar e criticar e joga a opinião pública contra a mídia. Atiça a imprensa
de um lado e os seus adoradores de outro. Os dois lados se engalfinham e ele
reina acima de todos.
É provável que não seja uma estratégia sofisticada, mas, sim,
uma personalidade, um estilo, uma agressividade e uma beligerância que passam
de pai para filhos, enquanto eles vão se acertando com Judiciário e Legislativo
para manter as coisas “sob controle” e a tropa defendendo o indefensável e
mirando os “outros”, os “inimigos”.
Bolsonaro também se revela um craque manipulador de pessoas.
Assim como botou os generais nos seus devidos lugares, calou o vice Hamilton
Mourão, amestrou o ministro Sérgio Moro e vai usando seus trunfos. Ontem,
anunciou para a PGR um interino, que, se não se comportar direitinho, pode ser
demitido a qualquer momento. Hoje, esfrega na cara dos senadores uma foto de
Eduardo Bolsonaro com Donald Trump nos EUA. Isolamento internacional? Que
isolamento?
Porém, não há estratégia e esperteza que resistam à economia
frágil. O crescimento de 0,4% no segundo trimestre é um alívio, mas o Brasil se
arrasta feito tartaruga e precisa de agilidade de coelho para escapar dos
efeitos de mais uma crise na Argentina, num momento de instabilidade global e de
muita desconfiança em relação ao Brasil de Bolsonaro. A briga com Macron é
quase pessoal, mas a beligerância com o mundo é bem mais grave do que isso.
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