A República Federativa do Brasil tornou-se palco de
constantes movimentos de “esquerda” e de “direita” que, graças a um regime
democrático cada vez mais maduro acolhe posições ideológicas diferenciadas,
tendo como pano de fundo, ainda, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (ex-governo de esquerda) e por outro lado, a vontade da maioria que
elegeu Jair Bolsonaro (governo de direita) para a Presidência da República, sem
falar da consolidação da Operação Lava Jato no que diz respeito ao combate à
corrupção, independentemente de qualquer ideologia de plantão.
Tais protestos estimulam uma reflexão extremamente útil e
oportuna para a atual conjuntura política brasileira. Afinal! O que leva todas
essas pessoas a defenderem uma pretensa posição denominada “de esquerda”, em
contraposição, agora mais forte do que nunca, à posição “de direita”?
Até que ponto, as pessoas que se intitulam em uma ou outra
posição têm consciência daquilo que elas pensam ter afinidades?
Trata-se de um engajamento que visa ao crescimento econômico
do país? Uma justa distribuição de renda? Uma estabilidade macroeconômica?
Ou se direciona para uma questão puramente
político-ideológica?
O eterno conflito entre capital e trabalho, tão explorado
por diversos autores, desde Marx até os teóricos contemporâneos remetem a
análise para o significado real ou tentativas exaustivas para se chegar a
compreender a chamada “direita conservadora” ou a ”esquerda progressista”
(nomenclaturas utilizadas no contexto americano).
O que se quer aprofundar nessa direção é a dicotomia
existente entre as duas posições, as quais estabelecem desde o seu surgimento,
um maniqueísmo teórico, tanto do ponto de vista político, quanto econômico.
Existem ainda, outros questionamentos procedentes dessa
divisão: até que ponto a direita é supostamente conservadora e a esquerda é
supostamente progressista?
Quais são os critérios que permitem aferir com segurança,
tais afirmativas?
Acrescente-se também, que aquela divisão, seja analisada sob
o ângulo da política ou da economia percorre diferentes metodologias que podem
levar a resultados igualmente divergentes.
Por outro lado, a prática governamental em diversos países,
tanto da Europa, quanto, da América Latina corrobora a complexidade do tema,
quando se constata o sucesso de modelos ditos de “direita” como os de
“esquerda”, como é o caso do Chile e de Portugal, respectivamente.
As políticas econômicas levadas a efeito naqueles países,
assim como em outros se diferenciam por si só, até porque as peculiaridades
geográficas, históricas, culturais, e políticas nunca serão iguais, assim como,
os resultados positivos ou negativos também dependerão do tipo de ações
governamentais a serem operacionalizadas em cada um daqueles contextos.
Diante de todos os questionamentos acima, o Brasil assiste
no presente momento a um acirramento entre as classes de direita e as de
esquerda, tanto do ponto de vista social e político, quanto econômico.
O que se depreende desse antagonismo agudo é que a chamada
esquerda representa apenas um eco remoto e distante do que se entende daquele
conceito que compõe a dicotomia direita-esquerda.
Afinal! O que a esquerda tem como objetivo? A defesa de um
líder “personalista”? E o que esse líder conhece da verdadeira ideologia de
esquerda?
Constatou-se de forma extremamente dura, as consequências
econômicas do recente governo de esquerda.
Não se conseguiu delinear qualquer linha de política
econômica ou metas de ações governamentais que tivessem a mínima identidade com
a chamada política de esquerda.
O que se testemunhou de modo deprimente foi a decadência da
política como um todo, provocada por gestores ineficientes pari passu com um
viés ideológico negativo visando tão somente, as vantagens que poderiam
angariar, com o comércio de cargos e funções públicas em instituições tradicionais,
como a Petrobrás que sempre teve um histórico de sucesso e hoje se encontra
juntando os remendos para poder se reerguer.
Porquanto, a esquerda brasileira esteve longe de seguir
minimamente, os valores e princípios que norteiam aquela ideologia.
A busca por uma justa repartição de renda e a obtenção da igualdade ou pelo menos, de uma minimização da desigualdade social esteve longe de ser implementada no último governo.
A busca por uma justa repartição de renda e a obtenção da igualdade ou pelo menos, de uma minimização da desigualdade social esteve longe de ser implementada no último governo.
Tampouco, as políticas micro e macroeconômicas marcaram
presença, no sentido de manter ou promover o crescimento econômico. Ao
contrário, a sua permanente ausência acentuou as disparidades sociais e
provocou incontinenti, uma progressiva e séria recessão econômica, responsável
pelo crescente desemprego e diminuição de renda.
O que se constatou indubitavelmente foi um total desprezo
das questões econômicas, marginalizando qualquer tipo de política que pudesse
ao menos, ser reconhecida como de “esquerda”.
Nessa direção há que se remeter do ponto de vista da
doutrina, a uma das principais características que identificam uma política
macroeconômica chamada de “esquerda”.
Trata-se especialmente, da função distributiva do Estado e
por esta razão seria supostamente de “esquerda”, por privilegiar o objetivo de
operacionalizar uma justa repartição de renda, como o meio essencial para se
promover o crescimento econômico.
Perfilha-se o caminho inverso do modelo dito “conservador”
ou de “direita”, uma vez que este persegue inicialmente, o crescimento
econômico para que se tenham recursos suficientes para se repartir a renda.
É sabido de todos a afirmação extremamente criticada de
Delfim Neto, ex- Ministro da Fazenda de alguns dos governos militares
(1965-1974):
“primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois repartir”.
“primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois repartir”.
Por sua vez, o modelo distributivista prefere colocar em
prática, políticas públicas voltadas do ponto de vista macroeconômico a dar
acesso à população, à educação, saúde, assistência social e previdência social,
tendo como pressuposto, o de que, uma pessoa sã e educada está devidamente
preparada para entrar no mercado de trabalho, ter a sua renda e num segundo
momento, contribuir para a promoção do crescimento econômico.
Porquanto, o pressuposto desse modelo é a redução da
desigualdade social e econômica, por meio daquelas políticas.
Longe de tais objetivos, o que se tentou implementar a todo
custo foi o fortalecimento do PT, em conjunto com as iguais e pretensas
esquerdas de outros países latino-americanos ambicionando o protagonismo de um
Partido Único que, seguramente, representaria uma perigosa ditadura de
esquerda, aos moldes do que a história mundial já contou.
Para isso, não se pouparam os recursos públicos desviados
para o seu atingimento, em conjunto com parcas políticas sociais populistas de
um lado e de outro, concessões às classes mais abastadas para a manutenção do
poder.
Por sua vez, a chamada “direita” insiste em focar no combate
à “esquerda do passado” ressuscitando esqueletos, tal qual a própria “esquerda”
que não cansa de remeter o debate para a “ditadura de direita” dos anos
1964-1984 como pressuposto para alçar o seu voo para o poder.
Diante de todo esse contexto, o que se pergunta é: qual é a
identidade da direita e da esquerda brasileira?
Ao adentrar na clássica dicotomia “direita-esquerda” há
muito o que debater, especialmente, se ainda existem razões suficientemente
fortes para se corroborar aquela díade, usando as palavras de Norberto Bobbio.
A divisão entre direita e esquerda adquiriu maior
importância, com a Revolução Francesa, quando o universo político se dividiu e
deu o passo crucial para o fortalecimento do capitalismo. A partir daí, há
numerosas vozes afirmando por meio de Sartre, que aquelas divisões constituem
duas caixas vazias.
Bobbio explica aquelas razões. Em primeiro lugar, porque
está se vivenciando uma crise das ideologias que nas entrelinhas demonstra mais
do que nunca, que os seus defensores vêm perdendo progressivamente o real
significado daqueles conceitos.
Ademais, o trade-off entre a busca de igualdade e da
liberdade não mais se justifica, embora tenha tido a maior relevância do ponto
de vista histórico (a partir da Revolução Francesa), tendo em vista as
diferentes roupagens utilizadas em vários países, durante alguns séculos, em
que se teve o enfrentamento de regimes ditatoriais de direita e de esquerda,
ambos responsáveis pelas restrições radicais dos direitos civis, principalmente
o da liberdade e dos direitos sociais.
Partindo do pressuposto de que se tem hoje, a garantia de
preservação de um Estado Democrático de Direito exaustivamente previsto nas
Constituições, aquele trade-off se torna inócuo.
O importante na caracterização da chamada “direita e
“esquerda” ainda se justifica, pela natureza das políticas sociais e
econômicas, que, ao serem contrapostas abrem a janela para a defesa de uma ou
de outra “ideologia”.
Na verdade, as ideologias constituem um fator determinante
do atraso político e econômico de uma Nação, haja visto que, em nome da
ideologia, tal como, em nome de uma religião, se cometem atos totalmente
atrozes e irracionais.
Cabe citar oportunamente: socialismo, capitalismo,
comunismo, fascismo, nazismo, nacionalismo, marxismo, assim como o islamismo,
cristianismo, judaísmo e outros…
As ideologias ou “visões ideológicas” pretendem promover
mudanças radicais no sistema social, político cultural e econômico, visando a
sua total transformação no que diz respeito às pessoas, grupos ou regimes.
Do ponto de vista político, a “direita” teria conquistado os
“direitos civis” ou mais especificamente a liberdade de ir e vir, a liberdade
de expressão, a igualdade perante a lei, enquanto a “esquerda” teria lutado
pelos “direitos sociais”, como o direito à educação e à saúde, o direito a um
trabalho com justa remuneração, até os nossos dias em que se alcançaram os
chamados “direitos coletivos (lato sensu)”, cujo exemplo mais relevante remete
ao direito a um meio-ambiente saudável, além de outros.
Da mesma forma, conquistaram-se os direitos políticos
propriamente ditos, como o direito ao voto, à participação popular inclusive
por meio de representantes políticos agrupados em diferentes partidos políticos
com o objetivo de satisfazer as demandas reclamadas pela “vontade da maioria”.
Nessa direção, a história registrou o surgimento de
diferentes formas de governo, como a república e a monarquia, assim como os
sistemas de governo, como o presidencialismo e o parlamentarismo e os regimes
ditatoriais e democráticos.
A partir dessas constatações, surgiram outras dicotomias
(mais sofisticadas!), como a que se comentou no início desse artigo: direita
conservadora ou esquerda progressista, especialmente no contexto
norte-americano.
Portanto, a “direita” e a “esquerda” podem ser pretensamente
identificadas a partir dos seus programas sociais, políticos e econômicos que
se contrapõem, com relação à solução de problemas, uma vez que, os seus
pressupostos remetem a uma escala, com diferentes interesses e valores.
Do ponto de vista econômico, a direita conservadora teria
afinidades com uma política voltada à livre concorrência e a manutenção do
equilíbrio micro e macroeconômico de responsabilidade do mercado. Com isso, o
Estado é mínimo, isto é, interviria apenas no que diz respeito às necessidades
fundamentais dos cidadãos, como a saúde, educação, justiça e segurança.
A quase-ausência de intervenção do Estado no sistema
econômico significa, a princípio, a operacionalização de políticas austeras que
privilegiam o rigoroso atendimento ao orçamento fiscal, evitando a todo o
custo, o déficit orçamentário.
Nesse sentido, as políticas de cunho social têm pouco
protagonismo, relativamente às políticas que visem ao crescimento econômico.
Tais características se harmonizam com o chamado Estado
Liberal de Adam Smith (1776), Ricardo, Stuart Mill e outros que deram origem ao
Capitalismo pós-Revolução Francesa.
Nos Estados Unidos, a terminologia utilizada para a direita
conservadora é o Neoliberalismo, cujos representantes políticos pertencem
predominantemente, ao Partido Republicano.
A esquerda progressista americana, representada pelo Partido
dos Democratas tenderia para a implementação de políticas sociais afirmativas
visando uma justa repartição de renda, relativamente às ações governamentais de
caráter estritamente econômico.
As ações governamentais desse modelo podem ser identificadas
pela construção de escolas, hospitais, construção de rodovias, as quais venham
a contribuir para o aumento do emprego, da renda e finalmente, do consumo e do
investimento privado.
Por esta razão, o Estado adquire um maior protagonismo e
consequentemente, interfere significativamente no sistema econômico, por meio
de expressivos gastos orçamentários que, na maioria das vezes provocam déficits
correspondentes àquela forma de intervenção.
É o chamado Estado do bem-estar social, cuja origem remete
ao Welfare State colocado em prática nos Estados Unidos, no período,
pós-Depressão Econômica de 1929 espalhando-se progressivamente aos demais
países americanos e da Europa.
Tratava-se do antigo modelo keynesiano de John Maynard Keynes (economista originalmente monetarista), hoje denominado pós-keynesiano ou neokeynesiano.
Tratava-se do antigo modelo keynesiano de John Maynard Keynes (economista originalmente monetarista), hoje denominado pós-keynesiano ou neokeynesiano.
Por outro lado, quando se intensifica a intervenção do
Estado surge inevitavelmente a forte possibilidade de perda da liberdade
individual, sob o pretexto da busca de igualdade. Aí, sim, emerge e se justica
novamente o trade-off entre a liberdade e a igualdade, cujo trade-off, o artigo
170 e seguintes da Constituição Federal de 1988 procuram minimizar e levar a um
macro equilíbrio óbvio entre o capital e o trabalho humano e por consequência,
entre os conflitos da direita e esquerda, tanto do ponto de vista econômico,
quanto político.
Finamente, o que se pode depreender de todo esse universo
histórico, tanto do ponto de vista estrutural, quanto conjuntural –
independentemente do caso brasileiro – é que as ideologias de plantão (esquerda
e direita) são as armas utilizadas para a satisfação de objetivos
corporativistas de toda a sorte de grupos políticos e sobretudo econômicos
nacionais e internacionais, cujas metas constituem “os meios que justificam os
fins”, as quais em ambos os casos remetem ao poder acima de tudo e de todos.
Assim, os Poderes Públicos – Executivo, Legislativo e
Judiciário por si só caminham inevitavelmente naquela direção, ao aprovarem
respectivamente, políticas públicas, criarem legislações e julgarem temas que
venham a corroborar aquelas metas e objetivos, mesmo que isoladamente, no seio
de cada um daqueles Poderes.
Daí, o surgimento de conflitos institucionais, quando os
objetivos e metas de cada Poder Público diferem entre si e provocam o
protagonismo de um deles, a depender da sua parcela de poder perante os demais
Poderes e consequentemente, o potencial aumento de seu grau de intervenção no
sistema político e econômico, o qual adquire nuances positivas ou negativas
para o desenvolvimento de uma Nação.
Um claro exemplo nesse sentido é a recente aprovação da Lei
de Abuso de Autoridade já aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional
(Poder Legislativo) e extremamente criticada pelo Poder Judiciário e pelas
demais instituições públicas interessadas, como o Ministério Público e a
Polícia, sem olvidar da opinião pública que defende de modo geral, a atuação da
Operação Java Jato que aparentemente tenderia a ser prejudicada por alguns
dispositivos daquela legislação.
Do mesmo modo, a decisão em caráter monocrático do
Presidente do STF, em suspender ações relacionadas às investigações levadas a
cabo pela Polícia Federal, Ministério Público e a Receita Federal em conjunto
com o Banco Central, sem a devida autorização judicial teriam contrariado a
legislação existente sobre o tema (Lei nº 9.613/1998 – Lei de Lavagem de
Dinheiro –, além de acarretar críticas incisivas de membros daquelas
instituições pertencentes ao Poder Executivo – à exceção do MP que é uma
instituição independente – e da sociedade civil em geral.
Independentemente do ativismo daqueles Poderes e
especialmente, do ativismo judicial em razão das ideologias que os embalam, o
que se percebe claramente é a conveniência daquela união de ideologias (de
esquerda e direita) quanto os interesses em jogo são convergentes e denunciam
os seus objetivos comuns e não necessariamente éticos e desenvolvimentistas.
O que se torna ainda mais relevante é que a união de
ideologias expõe a sua inutilidade e irrelevância, quando os interesses se
voltam para questões de real interesse nacional.
A despeito de tais constatações existem alguns exemplos de
ideologias de direita ou de esquerda inteligentes que promovem o
desenvolvimento em alguns países, como os já citados no presente artigo, sem
contar os países tradicionalmente considerados desenvolvidos.
Contudo, o que realmente importa, não são as posições
adotadas e sim a solução dos problemas a serem enfrentados por uma sociedade
democrática, até porque, as relações atuais, independentemente de serem ou não
globalizadas adquirem cada vez maior complexidade, levando a um leque infinito
de “convergências” e “divergências” que, dificilmente se enquadram naquelas
posições (exclusivamente de direita ou exclusivamente de esquerda!).
Ao contrário, a tendência é que haja uma crescente teia de
múltiplas combinações que passam ao largo daquela dicotomia, no sentido de, ora
se aproximar da suposta esquerda, ora da suposta direita, a depender da
conjuntura política e econômica, cujos problemas demandarão políticas mais
conservadoras ou mais progressistas, não representando necessariamente, aquelas
posições radicais e até certo ponto, superadas.
E é nessa linha de pensamento que se deve tender para que se
possa alcançar o pleno desenvolvimento…
*Advogada constitucionalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário