Editorial Folha de S.Paulo
Não é fácil debater os desafios da Amazônia nem sequer quando há interlocutores de boa-fé interessados na compreensão e na elucidação de seus principais problemas.
A interação complexa de variáveis como a oscilação climática, a ação humana e as linhas de continuidade e ruptura da política pública, bem como da sua execução no nível do terreno, dificulta o diagnóstico. A escolha da melhor forma de intervir tampouco é simples.
Raia ao impossível tentar desembaraçar esse novelo em meio à epidemia de desinformação e má-fé que arrebata da direita à esquerda, manifesta-se dentro e fora do país e acomete chefes de Estado e autoridades responsáveis pelo assunto.
Emmanuel Macron, o presidente francês dedicado a alimentar uma altercação pueril com o seu homólogo brasileiro, pôs-se a fazer conjecturas sobre um estatuto internacional para a região amazônica.
Ao recorrer a tal disparate, cujo efeito prático limita-se a atiçar a paranoia nacionalista de grupos influentes no Palácio do Planalto, Macron parece mais interessado em prolongar a baixaria, de olho em dividendos políticos domésticos, do que em colaborar para a mitigação do desmate e das queimadas.
Mas os campeões do engodo, das ideias fora de lugar, das grosserias e das provocações baratas nesse episódio são, sem dúvida, autoridades brasileiras, a começar do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Vá lá que cidadãos, celebridades e políticos locais e estrangeiros demonstrem ignorância ou difundam falsidades acerca do que lhes é distante ou sobre o que não têm responsabilidade. Não é aceitável a governantes do Brasil —obrigados a bem informar e a agir conforme a melhor ciência disponível— tomar parte desse picadeiro.
Como o espetáculo não pode parar, ele prosseguiu nesta terça (27), na reunião de Bolsonaro com governadores da região amazônica. Em vez de enfocar as medidas para combater o desflorestamento e os incêndios, o presidente preferiu ocupar os ouvidos dos chefes estaduais com mais uma teoria conspiratória sem alicerce nos fatos.
Sua decisão de não mais demarcar terras indígenas, segundo o mandatário brasileiro, seria a causa das queimadas. Com isso insinuou, de novo irresponsavelmente, que haja ação orquestrada de ONGs por trás dos incêndios florestais.
Jair Bolsonaro se perde nesses espasmos sincopados de que brotam retalhos de pensamento e ideias coxas. Enfrenta a sua primeira crise de grandes proporções, em que precisa mobilizar recursos humanos e materiais, no Brasil e no exterior, e transmitir uma linha de ação clara a seus comandados.
Mas a mensagem não chega; nem sequer é formulada. A cabeça do presidente gira em falso nos preconceitos de sempre. Calcinados ficam a razão e o bom senso.
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
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