As últimas semanas vêm explicitando as consequências da
combinação heterogênea de cidadãos que se juntaram para eleger o presidente
Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018.
Primeiro, um núcleo "duro", uma óbvia minoria, que
tem real afinidade com seus preconceitos, detesta todas as diferenças
identitárias (étnicas, religiosas etc.), defende uma imaginária "nova
política" que recusa a verdadeira, o exercício da tolerância e a busca do
consenso que estimula a integração social, e flerta impor sua "visão de
mundo" através de uma democracia iliberal, como se não existisse a
Constituição de 1988 e o seu controle pelo Supremo Tribunal Federal.
Àquele juntou-se, em "legítima defesa", um segundo
e significativo, mas também minoritário, grupo de cidadãos desiludidos com os
males feitos de 13 anos de laxismo da administração do PT, postos a nu pela
operação Lava
Jato. Este grupo foi enriquecido pela adesão entusiasmada do sistema
econômico nacional em respeito à promessa do ministro Paulo Guedes (o famoso
"posto Ipiranga" de Bolsonaro) de que iriam implantar uma política
libertária (vamos tirar o Estado do cangote do setor privado brasileiro).
Com esse apoio, Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos
válidos. É impossível saber qual o peso de cada grupo, mas é possível
inferi-los, pela importância de seu partido (o PSL), na formação da Câmara
Federal.
Pois bem, o PSL representa pouco mais de 10% da Câmara e
está longe, portanto, de poder garantir a governabilidade do país, sem aliar-se
(republicanamente, como em todas as repúblicas democráticas) a outros partidos
para construir uma maioria estável, que sustente um programa estabelecido
consensualmente. Sem isso não haverá harmonia entre os poderes e, portanto, não
haverá governo.
Felizmente, o protagonismo assumido pela Câmara e pelo
Senado tem salvo o dia e mostra que um programa consensual é possível desde que
o Executivo (que é, obviamente, uma minoria) não tente impor sua vontade à
maioria.
A solução será muito mais rápida se o presidente entender
que pode muito, mas não tudo, e que sua política diversionista, que coloca a
cada dia falsos problemas (como o do clima) e recusa toda diversidade,
atrapalha a solução dos problemas reais e dificulta o trabalho de alguns
ministros que têm se revelado excelentes.
Mesmo sendo deselegante, o comportamento de Bolsonaro pode
ser franco a ponto de ser abusado, mas não é esse o problema. O seu problema é
ignorar, sistematicamente, as evidências empíricas na formulação das políticas
públicas destinadas a atender aos seus propósitos.
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de
“O Problema do Café no Brasil”.
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