segunda-feira, 19 de agosto de 2019

CRISE DE CONFIANÇA

Artigo de Marina Silva, PODER 360
Crise de confiança paralisa os atores econômicos
Desmentindo as expectativas mais otimistas, que costumam ver no início de qualquer governo um ambiente favorável, a economia brasileira permaneceu em estado de inércia. Tudo indica, até o momento, que o cenário econômico é de “recessão técnica”, termo usado quando temos dois trimestres consecutivos de queda na atividade econômica.
O desemprego permanece em índices elevados (12%) atingindo 12,8 milhões de brasileiros. O consumo das famílias, que representa 60% do PIB, tem crescido muito lentamente e de forma insuficiente. O endividamento dos consumidores também vem crescendo e atinge 64% das famílias.
O setor privado, com enorme capacidade ociosa, não parece disposto a retomar investimentos produtivos num ambiente de grandes incertezas. O setor público também tem dificuldade de implementar medidas de aquecimento econômico, não apenas em razão da crise fiscal –que reduziu drasticamente sua capacidade de investimentos– mas também e principalmente pelo dogmatismo “fiscalista” com que insiste em tratar a crise, numa realidade econômica cuja complexidade exige, justamente, sair da comodidade e exclusividade de receitas conhecidas.
A elevação da disponibilidade de crédito esbarra na elevada inadimplência e nas taxas de juros escorchantes. As tentativas de elevação da liquidez para incentivar o consumo, tais como liberações do FGTS, do PIS e PASEP, antecipações de parcelas do 13° salário, por exemplo, acabam se destinando ao resgate de dívidas e se mostrando insuficientes para gerar um ciclo de expansão econômica com base no estímulo do consumo.
Ao invés dessa “velha receita”, o país necessita de uma agenda de investimentos públicos em projetos estratégicos nas áreas de saúde, educação, segurança, saneamento e infraestrutura, capaz, essa sim, de gerar um incentivo econômico poderoso e duradouro. Como bem expôs André Lara Rezende, em seu artigo “Brasil de hoje e o conservadorismo vitoriano”, publicado no Valor Econômico, “quando há desemprego e capacidade ociosa, os investimentos públicos, sobretudo em infraestrutura, são complementares e estimulam o investimento privado” e, principalmente, “devem ser avaliados pelos seus resultados, pelos seus custos de oportunidades e seus benefícios, não pelos seus custos financeiros e seus efeitos sobre a dívida no curto prazo.”
Podemos, portanto, localizar o fator básico que mantém a paralisia e até a provoca: a atitude de enfrentar a crise econômica seguindo dogmaticamente os cânones da visão puramente fiscalista, de renúncia ao investimento público. É uma espécie de superstição acreditar que os graves problemas econômicos e sociais que nos assolam, sobretudo o desemprego, assim como o cenário recessivo da economia brasileira, pode ser superado com uma panaceia, a aprovação das reformas.
Há uma crença otimista de que um ajuste fiscal rigoroso atrairá os investimentos externos necessários para alavancar um novo ciclo de crescimento. Esta crença ignora as dificuldades no cenário internacional, a crescente guerra comercial entre EUA e China que já está afetando o mercado cambial, a queda na atividade econômica que já aparece nos índices dos países da zona do Euro, nos EUA e na China. E mais ainda, no ambiente de uma escatologia político-diplomática protagonizada pelo governo, que afasta parceiros e investidores externos.
Neste cenário difícil, vejamos os sinais que o governo dá ao Brasil e ao mundo:
  1. A China, principal parceiro comercial do Brasil, que dispõe de capital e tem interesse em investimentos de infraestrutura, não tem sido atraída porque o Governo prefere um alinhamento incondicional com os EUA.
  2. O agronegócio, principal responsável pelas exportações e pelo superávit comercial, tende a sofrer consequências desfavoráveis com a imagem negativa que o Brasil tem projetado no cenário internacional, sobretudo nos temas ambientais. Como se não bastasse o desmonte da política ambiental, o presidente diz que quer colocar seu filho como embaixador nos Estados Unidos para ter ajuda do governo Trump na mineração em áreas indígenas.
  3. Mesmo as reformas estruturantes, tais como a Reforma Previdenciária e a Reforma Tributária, que avançam lentamente pelo esforço do Poder Legislativo, a despeito das dificuldades criadas cotidianamente pelo Governo, não oferecem alívio no curto prazo, ou seja, só terão impacto positivo nas contas públicas, restabelecendo algum equilíbrio entre receitas e despesas, dentro de anos.
  4. Outros ajustes, como a “mini Reforma Trabalhista” embutida na Medida Provisória da Liberdade Econômica, foram aprovados sem uma discussão adequada, promovendo desregulações que tanto podem destravar a criação de novos empregos quanto podem gerar precarização nas relações de trabalho e reduzir direitos, comprometendo, no futuro imediato, a qualidade de vida dos trabalhadores e sua capacidade de consumo.
Nem o mais renitente otimismo resiste a um ambiente desses. A economia não se orienta apenas por indicadores objetivos. Ela requer um ambiente de confiança, respeito aos contratos, certa previsibilidade, certa expectativa favorável. Os atores políticos têm um papel relevante na construção dos cenários. Governantes irresponsáveis, que não avaliam o impacto de suas declarações, que se isolam em posições extemporâneas, que desconsideram acordos internacionais, criam uma crise de confiança que paralisa os atores econômicos. Um “Posto Ipiranga” é muito pouco para enfrentar as complexidades do momento. O populismo, de esquerda ou direita, é assim mesmo: sempre tem uma resposta simples e fácil para os problemas complexos. A questão é que essa resposta geralmente está errada.
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