Crise de confiança paralisa os atores econômicos
Desmentindo as expectativas mais otimistas, que costumam ver
no início de qualquer governo um ambiente favorável, a economia brasileira
permaneceu em estado de inércia. Tudo indica, até o momento, que o cenário
econômico é de “recessão técnica”, termo usado quando temos dois trimestres
consecutivos de queda na atividade econômica.
O desemprego permanece em índices elevados (12%)
atingindo 12,8 milhões de brasileiros. O consumo das famílias, que representa
60% do PIB, tem crescido muito lentamente e de forma insuficiente. O
endividamento dos consumidores também vem crescendo e atinge 64% das famílias.
O setor privado, com enorme capacidade ociosa, não parece
disposto a retomar investimentos produtivos num ambiente de grandes incertezas.
O setor público também tem dificuldade de implementar medidas de aquecimento
econômico, não apenas em razão da crise fiscal –que reduziu
drasticamente sua capacidade de investimentos– mas também e
principalmente pelo dogmatismo “fiscalista” com que insiste em
tratar a crise, numa realidade econômica cuja complexidade exige, justamente,
sair da comodidade e exclusividade de receitas conhecidas.
A elevação da disponibilidade de crédito esbarra na
elevada inadimplência e nas taxas de juros escorchantes. As tentativas de
elevação da liquidez para incentivar o consumo, tais como liberações do FGTS,
do PIS e PASEP, antecipações de parcelas do 13° salário, por
exemplo, acabam se destinando ao resgate de dívidas e se mostrando
insuficientes para gerar um ciclo de expansão econômica com base no estímulo do
consumo.
Ao invés dessa “velha receita”, o país necessita de uma
agenda de investimentos públicos em projetos estratégicos nas áreas
de saúde, educação, segurança, saneamento e infraestrutura, capaz, essa
sim, de gerar um incentivo econômico poderoso e duradouro. Como bem expôs André
Lara Rezende, em seu artigo “Brasil de hoje e o conservadorismo vitoriano”,
publicado no Valor Econômico, “quando há desemprego e
capacidade ociosa, os investimentos públicos, sobretudo em infraestrutura, são
complementares e estimulam o investimento privado” e,
principalmente, “devem ser avaliados pelos seus resultados, pelos seus
custos de oportunidades e seus benefícios, não pelos seus custos financeiros e
seus efeitos sobre a dívida no curto prazo.”
Podemos, portanto, localizar o fator básico que mantém a
paralisia e até a provoca: a atitude de enfrentar a crise econômica
seguindo dogmaticamente os cânones da visão puramente fiscalista, de renúncia
ao investimento público. É uma espécie de superstição acreditar que os graves
problemas econômicos e sociais que nos assolam, sobretudo o desemprego, assim
como o cenário recessivo da economia brasileira, pode
ser superado com uma panaceia, a aprovação das reformas.
Há uma crença otimista de que um ajuste fiscal rigoroso
atrairá os investimentos externos necessários para alavancar um novo ciclo de
crescimento. Esta crença ignora as dificuldades no cenário internacional, a
crescente guerra comercial entre EUA e China que já está
afetando o mercado cambial, a queda na atividade econômica que já aparece nos
índices dos países da zona do Euro, nos EUA e na China. E mais ainda, no
ambiente de uma escatologia político-diplomática protagonizada pelo governo,
que afasta parceiros e investidores externos.
Neste cenário difícil, vejamos os sinais que o
governo dá ao Brasil e ao mundo:
- A
China, principal parceiro comercial do Brasil, que dispõe de capital e tem
interesse em investimentos de infraestrutura, não tem sido atraída
porque o Governo prefere um alinhamento incondicional com os EUA.
- O
agronegócio, principal responsável pelas exportações e pelo superávit
comercial, tende a sofrer consequências desfavoráveis com a imagem
negativa que o Brasil tem projetado no cenário internacional, sobretudo
nos temas ambientais. Como se não bastasse o desmonte da política
ambiental, o presidente diz que quer colocar seu filho como
embaixador nos Estados Unidos para ter ajuda do governo Trump na mineração
em áreas indígenas.
- Mesmo
as reformas estruturantes, tais como a Reforma Previdenciária e a Reforma
Tributária, que avançam lentamente pelo esforço do Poder Legislativo, a
despeito das dificuldades criadas cotidianamente pelo Governo, não
oferecem alívio no curto prazo, ou seja, só terão impacto positivo nas
contas públicas, restabelecendo algum equilíbrio entre receitas e
despesas, dentro de anos.
- Outros
ajustes, como a “mini Reforma Trabalhista” embutida na Medida Provisória
da Liberdade Econômica, foram aprovados sem uma discussão
adequada, promovendo desregulações que tanto podem destravar a
criação de novos empregos quanto podem gerar precarização
nas relações de trabalho e reduzir direitos, comprometendo, no
futuro imediato, a qualidade de vida dos trabalhadores e sua capacidade de
consumo.
Nem o mais renitente otimismo resiste a um ambiente
desses. A economia não se orienta apenas por indicadores objetivos. Ela
requer um ambiente de confiança, respeito aos contratos, certa previsibilidade,
certa expectativa favorável. Os atores políticos têm um papel relevante na
construção dos cenários. Governantes irresponsáveis, que não avaliam o impacto
de suas declarações, que se isolam em posições extemporâneas,
que desconsideram acordos internacionais, criam uma crise de
confiança que paralisa os atores econômicos. Um “Posto Ipiranga” é muito pouco
para enfrentar as complexidades do momento. O populismo, de esquerda ou
direita, é assim mesmo: sempre tem uma resposta simples e fácil para os
problemas complexos. A questão é que essa resposta geralmente está errada.
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