Apesar do intenso zum-zum nacional, com leis marotas votadas
na madrugada, duas notícias de fora marcaram a semana: o risco de estagnação
econômica mundial e a volta do peronismo na Argentina. O interesse por política
externa nunca foi muito grande no Brasil. Mas tem crescido nos últimos anos.
Senti isso na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Estudantes a
frequentavam com interesse para ouvir os debates.
Bolsonaro fez parte dela, por alguns anos. Naquele momento,
ainda não era um líder popular nacional. Tornou-se presidente, e discutir com
líderes populares é mais áspero: os seguidores são hipersensíveis à
imparcialidade ou ao preconceito.
Mas fatos são fatos. A política externa conduzida por
Bolsonaro precisa ser criticada, pois pode nos levar a um isolamento perigoso
no momento de uma crise mundial.
Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos. Nada a reparar. A
aproximação com os Estados Unidos estava no seu programa e, creio, é apoiada
pela maioria dos eleitores brasileiros.
Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos e está se
afastando de outras partes do mundo. Isto não estava no programa. Muito menos
reduzir o movimento a uma proximidade com a família Trump, como se política
externa fosse tocada por amizades familiares, e não interesses nacionais.
Bolsonaro aproximou-se de Israel. Nada a reparar. Mas se
afastou do mundo árabe ao anunciar que levaria a Embaixada do Brasil para Jerusalém.
Não completou o plano, mas o desgaste ficou no ar.
Bolsonaro assinou um acordo comercial com a Europa,
condicionado ao respeito ao meio ambiente. Nos últimos tempos, tem se dedicado
a criticar a Europa, afirmando, injustamente, que a Alemanha quer comprar a
Amazônia a prestação.
O acordo com a Europa ficou mais difícil, pois Alberto
Fernández, vitorioso nas prévias argentinas, não o quer agora. Acha, como o
ex-chanceler Celso Amorim, que o momento não é adequado para o Mercosul. Isso
não impediria o Brasil de ir adiante. O próprio acordo prevê que os países
entrem de acordo com seu ritmo. Quem aprovar a entrada não precisa esperar o
outro.
Com as declarações de Bolsonaro, dificilmente avançaremos.
Ele cancelou uma reunião com o chanceler francês para cortar o cabelo. Os
franceses não entenderam essa emergência capilar.
Bolsonaro já abriu uma guerra contra os peronistas que devem
voltar ao poder. Teme que os argentinos invadam o Sul, fora do verão, como os
venezuelanos em Roraima.
A Argentina estava aí antes de Bolsonaro e continuará depois
dele. São relações de Estado que precisam ser desenvolvidas, e não uma troca de
insultos ideológicos.
Para completar as trapalhadas no Sul, o governo Bolsonaro
quase derruba seu aliado paraguaio, com o acordo sobre Itaipu. Além dos
problemas criados e do ressentimento nacionalista que reavivou, apareceu na
negociação uma empresa brasileira ligada a um suplente do senador Major
Olimpio.
Gostar de grana é realmente suprapartidário, mas torna-se
algo muito sério quando envolve uma negociação delicada como a de Itaipu.
Artigo publicado no jornal O Globo em 19/08/2019
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