A oposição foi sábado às ruas, em coro com as reações internacionais
aos incidentes recentes na Amazônia, acendendo outra fogueira na
sensibilidade de quem habita a selva de pedra das cidades. Antes de comentar o
assunto, alego, em favor do governo, três fatos atenuantes. Vamos lá.
Surto sazonal de incêndios na Amazônia não é inédito e eles
são, inclusive, mais intensos nesta época do ano. Mais: a proporção dos atuais
não é muito maior do que a média dos últimos cinco anos, a ponto de jogar toda
a responsabilidade num governo que só inicia. Por fim, os países ricos que ora
reagem cultivam uma concepção intervencionista sobre a região. É comum vê-los a
defender a “internacionalização da Amazônia”, seja lá o que isso quer dizer,
pois a história desconhece semelhante experiência.
A base social da esquerda se mostra crédula com as cândidas
intenções daquela “gente branca”: não vi nas praças a necessária cobrança à
postura dos países ricos que, se veem a região como benefício permanente à
humanidade, ao ponto de evocar sua desnacionalização, poderiam colaborar mais
com sua preservação.
Como? Cito, a título de estímulo, uma proposta que já
circula há pelo menos trinta anos: cobrar, digamos, uma fração menos que
decimal dos empréstimos internacionais para constituir um fundo com aquele fim,
entre outros igualmente relevantes em outros continentes, e tais recursos
deveriam, sim, ser aplicados sob observação dos organismos internacionais, por
que não?
Quando Bolsonaro manda a Dinamarca praticamente enfiar suas
contribuições sabe-se lá onde, erra feio por incapacidade de formulação, mas é
certo que o volume de recursos aportados na Amazônia pelos países ricos é
modesto diante da relevância que, com razão, alegam haver. São suficientes
apenas para que se julguem autorizados a apresentar suas queixas quando as
coisas não andam bem.
No entanto, na outra ponta da questão, o figurino veste bem
o personagem Bolsonaro, eis o problema (dele). Dois aspectos facilitam a
associação imediata dos incidentes carbonários com o presidente. Vejamos:
A mais substantiva é o caudal de medidas liberalizantes que
ele adotou no controle do manejo produtivo nas florestas. A lista é temerária
ao ponto de gerar reações mesmo em setores produtivos que sempre patrocinaram
uma agenda forte contra o que consideram “excessos” dos ambientalistas.
O agrobusiness já sente na boca do caixa as restrições dos
clientes externos porque são fiscalizados por sociedades que já vislumbram
impasses de sustentabilidade no horizonte da civilização. Eles não brincam de
casinha com fabricantes de agrotóxicos (ao colocar um produto made in Brazil no
carrinho de compras, uma belga lê sua composição como quem vasculha a bula de
um antibiótico).
Mesmo os acordos comerciais recentes com a comunidade
europeia – raro momento de brilho na oligofrênica política externa atual –
estão agora sob restrições. O motivo é óbvio, mas o homem colocado lá não
alcança: tais tratados serão votados nos parlamentos de cada país, onde não há
gente disposta a contrariar eleitores dando vitamina para quem é visto como uma
fera retrógrada e predadora – a imagem de que desfruta no exterior o presidente
brasileiro.
O segundo fator de combustão é a língua de Bolsonaro que,
com escárnio e obsoleto cinismo, se intitulou “Capitão Motosserra” e pediu aos
brasileiros que contenham suas eliminações fisiológicas para evitar tragédias
ambientais e, no entanto, lá estava ele, menos de uma semana depois,
constrangido a jurar, de joelhos em cadeia de televisão, um compromisso que de
fato não tem porque as medidas adotadas por seu governo as refutam
definitivamente.
Ontem, um habitual conviva nas redes sociais perguntava por
que Bolsonaro usa tanto a própria língua contra si mesmo. A minha resposta é
simples: porque arruaça e zombaria foram as únicas coisas que ele treinou na vida
(discorda? Cite outra). Com elas, alcançou notoriedade, o que contribuiu para
seu sucesso eleitoral num momento em que o chão da política cedeu ao tremor de
suas falhas geológicas mais profundas.
Deu certo até ali. Mas lacração não paga dívidas.
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