domingo, 4 de agosto de 2019

FUMAÇA IDEOLÓGICA

Editorial Folha de S.Paulo
Discutida há quase dois meses pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a proposta de liberação da maconha para fins medicinais tem encontrado no ministro da Cidadania, Osmar Terra, uma oposição marcada pelo preconceito e pela desinformação.
Em sua mais recente tentativa de desqualificar o debate, Terra, um proibicionista radical no tocante às drogas, questionou a competência da Anvisa para deliberar sobre o tema, afirmando que o fato constituiria caso único entre os países. 
“Essa é uma ação regulada pelo Congresso, e em alguns poucos lugares pelo Judiciário”, pontificou. “É a primeira vez no mundo, isso que a Anvisa está tentando fazer.”
A esse respeito, cumpre esclarecer que a deliberação da agência não se ampara necessariamente no exemplo internacional, mas no ordenamento jurídico do país.
A responsabilidade do órgão sanitário no estabelecimento de regras sobre o tema é garantido pela chamada Lei de Drogas (11.343), de 2006, e pelo decreto 5.912, do mesmo ano, que regulou o diploma. 
A primeira prevê a possibilidade de a União autorizar o cultivo da erva “para fins medicinais e científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização”, ao passo que o segundo determina que essa tarefa caberá ao Ministério da Saúde, ao qual está vinculada a agência reguladora.
Como se não bastasse, Terra ainda procurou turvar a discussão, misturando de maneira falaciosa a liberação da cânabis medicinal com a legalização do uso recreativo da substância —isso, sim, matéria para decisão do Congresso.
Em sua cruzada, o ministro desconsidera não apenas as fartas evidências dos efeitos terapêuticos da maconha e seus derivados, utilizados hoje em diversos tratamentos, como as dificuldades burocráticas e os custos elevados que pacientes  enfrentam para importar medicamentos à base dessas substâncias.
A proposta da Anvisa busca justamente atenuar esse quadro, propondo regras voltadas ao plantio para pesquisa e produção de remédios, bem como ao registro e ao controle desses produtos.
Com sua fumaça ideológica, Terra contamina um debate que deveria ser baseado tão somente na ciência e no interesse público.
Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário