Jânio Quadros foi
um político de meteórico sucesso até atingir a Presidência da República. E foi
eleito com a bandeira da moralidade pública. A sua música de campanha
dizia: "varre,
varre, vassourinha / varre, varre a bandalheira".
Jair
Bolsonaro (PSL) foi um fenômeno eleitoral baseado num desgaste
dos políticos tradicionais e no desejo do povo em ter um comandante diferente
da política tradicional do país, eleito na mesma matriz de campanha de
Jânio Quadros, qual seja varrer a bandalheira do mensalão,
petrolão "et caterva".
Jânio tomou posse nos anos 1960 com o povo acreditando em
suas promessas. Jair tomou posse em 2019 com o povo acreditando em suas
promessas.
Jânio apelou ao sensacionalismo político —ou marketing, como
preferem alguns, que dizem que Jânio não precisava de marqueteiro porque ele
era o seu próprio marqueteiro. Jair apela para um sensacionalismo político com
declarações que poderiam ser chamadas de programas de fofoca na TV.
Com poucos meses de governo, Jânio acreditou que
venceria a máquina do Congresso
Nacional. Em um país onde existem mais de dois partidos, o governo tem que
negociar para manter maioria. E a negociação pode ser limpa ou suja, ao prazer
do comandante.
Jânio sucumbiu ao Congresso quando políticos ameaçaram de
processo a primeira-dama, Eloá Quadros. Ele desejava pôr o Congresso na
parede, tendo ao seu lado, ostensivamente, o apoio do Exército. Mas, depois que
Jânio condecorou Che
Guevara, este apoio do Exército, em plena Guerra Fria, era impossível, o
que fez Jânio compreender estar sozinho.
Uma derrota depois da outra causou clima de depressão no
gabinete janista. Muitos comentam que, nas madrugadas de Brasília, ele
procurava compensação na bebida. E, numa dessas suas crises, teria rabiscado
em um papel o texto da renúncia —mas logo a seguir jogado no lixo,
sem rasgar. O simples papel amassado teria sido capturado por alguém no cesto
de lixo e, de imediato, levado ao Congresso sem
que Jânio tivesse tempo de contestar.
Jair está colecionando derrotas no Congresso. Cada dia pela
manhã, em conversas
com jornalistas, mostra-se irritado, falando bobagens. Na campanha,
quando bradava seus desejos por novas leis e a intenção de acabar com
antigas, dizia coisas como se o Congresso fosse um mero homologador, como
se o Parlamento fosse ter medo dele por achar que ele, Jair, tinha ao seu lado
as Forças Armadas para o que desse e viesse.
Na primeira oportunidade em que o Congresso peitou Jair,
viu-se que o jogo de Jair era um blefe por não ter reis nas cartas —no caso,
não ter os generais de tropas ao seu lado para o que desse e viesse. A maior
humilhação foi ver o seu porta-voz, general Otávio do Rêgo
Barros, preterido numa
promoção do Alto-Comando do
Exército. Ali, naquele momento, Jair teve um choque de cultura militar.
Ao entender que as Forças Armadas não estavam ao seu lado na
coação ao Congresso, começou a mudar seus termos e a desdizer suas promessas de
campanha de extremo conservadorismo. Até dizer, nestes dias, que ele não pode
tudo o que quer.
Aliados de extrema-direita nas redes sociais passaram a
desacreditar no poder do eleito. Uma das piores declarações de Jair foi afirmar
que ele mandava na Polícia Federal, e não o ministro Sergio
Moro (Justiça).
Ora, vossa excelência não manda na Polícia Federal. Vossa
excelência manda no ministro de Justiça, e este manda na PF. Embora vossa
excelência não esteja nas fileiras militares há 30 anos, a hierarquia
invertida também deve ser cumprida. Tenente não fala com general, e general não
dá ordens ao tenente.
Jair ganhou as eleições com todos os méritos de uma eleição
livre e democrática. Mas, respaldado pelos militares de tropa
pesada, ele parecia acreditar que tudo podia.
Acontece que, nesses últimos 30 anos, os novos generais
criaram uma mentalidade de caserna fora da política. Não existe mais, nos
comandos militares, o que um dia no passado existiu de desejo de participação
política ativa.
Jair está exasperado e não esconde nenhuma de suas emoções.
O país está nas mãos do Congresso. Se Jair vai caminhar pelas alamedas de
Jânio, só o futuro dirá.
Que assim seja.
James Ackel
Jornalista e ex-conselheiro da ABI (Associação Brasileira de
Imprensa)
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