Tinha de acontecer. Ao ver o presidente Jair Bolsonaro ser
chamado de “Mito! Mito!” por claques profissionais e inocentes úteis, onde quer
que apareça, os verdadeiros mitos brasileiros resolveram se unir e protestar
contra o que consideram uma usurpação de seus direitos na lenda nacional. Os
mitos são figuras simbólicas, que pertencem ao folclore —lendas construídas
pelo povo, com o objetivo de nos ensinar ou explicar alguma coisa, mas sempre
benignas.
A Mula-Sem-Cabeça, por exemplo, é uma mulher que foi
seduzida por um padre e, por isso, nas noites de quarta-feira, transforma-se
num animal que, apesar de sem cabeça, relincha e lança chispas pelas narinas. O
Boto é o contrário. Nos fins de tarde na Amazônia, aparece para as moças como
um rapaz de branco, engravida-as e, depois, novamente boto, volta para o rio.
Os dois têm uma conotação moral, mas Bolsonaro só deve ver neles imoralidade.
O Saci-Pererê é o menino negro, de uma perna só, cachimbo na
boca e carapuça vermelha, que dá o exemplo pelo contraste, tipo “não façam o
que eu faço”. Por isso cria confusão na floresta, assusta o gado, lança pistas
falsas, joga uns contra os outros. É o que Bolsonaro está fazendo com o país,
só que para valer.
Os mais revoltados são o Curupira e o Boitatá —por serem os
protetores das florestas e de seus habitantes. O Curupira é o menino de cabelos
ruivos e pés com os calcanhares para frente. Os pés ao contrário são para
despistar os caçadores, pecuaristas, mineradores, grileiros e outros que não
hesitam em devastar ou matar os que interferem com seus interesses. O Boitatá é
a cobra-de-fogo, o fogo purificador, também guardião dos animais e das árvores.
Gosta de aparecer à noite, quando os depredadores se julgam a salvo, para lhes
infundir pavor.
Para eles, o mito Bolsonaro é não apenas falso, como prega e
pratica o contrário do que se espera dos mitos dignos deste nome.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de
Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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