Numa escalada sem precedentes de insultos às normas de
convívio democrático, aos fatos históricos, às evidências científicas e aos
direitos humanos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aguçou nos últimos dias as
tensões e incertezas em torno de sua administração.
Se no início de mandato declarações e medidas estapafúrdias
ainda podiam, com boa vontade, ser vistas como tentativa de satisfazer o
eleitorado mais fiel e ideológico, o que se verifica agora é um padrão de
atitudes que ofendem o Estado de Direito, reforçam preconceitos e aprofundam as
divisões políticas.
Além de expor o despreparo do chefe do Executivo para
desempenhar suas funções num quadro de coexistência com as diferenças, a
insistência na agressão e na boçalidade revela uma personalidade sombria que
parece se reconhecer, com júbilo, nas trevas dos porões da ditadura
militar.
As
insinuações sórdidas acerca do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz
—morto, segundo as investigações, sob a guarda do poder autoritário—, são um
exemplo da pequenez e da leviandade a que pode chegar o presidente.
Não espanta, aliás, que tenha classificado como “balela” documentos
oficiais sobre abusos cometidos pelo regime. Já eram, afinal, conhecidos seus
elogios ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, bem como suas simpatias
pelas violações praticadas no submundo dos órgãos de repressão.
Enganou-se, infelizmente, quem esperou que a condição de
presidente da República levaria o ex-deputado nanico a moderar o discurso e
buscar alguma conciliação.
Pelo contrário, são os traços intolerantes e obscurantistas
do mandatário que saltam aos olhos nos ataques e afirmações falsas dirigidos
aos jornalistas Miriam Leitão e Glenn Greenwald, nas imposturas acerca do
desmatamento da Amazônia, nas ameaças de censura ao cinema, no tratamento
injurioso aos nordestinos e no desdém
pelo massacre de presos no Pará.
Talvez transtornado com as críticas à indicação vexatória de
um filho à embaixada em Washington, ou com as investigações que envolvem outro,
Bolsonaro aprofunda a estratégia populista e acentua a retórica de
confrontação.
Com índices de aprovação aquém dos obtidos por seus
antecessores em igual período do mandato, o presidente desperta crescente
apreensão quanto a seu desempenho nos anos vindouros.
Para alguns analistas, os destemperos verbais já começam a
fornecer munição para um eventual enquadramento em crime de responsabilidade,
por procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Não se vê nenhum movimento nesse sentido, e a perspectiva de
reforma da Previdência dá fôlego ao governo. Entretanto a recente espiral de
infâmias não poderá se perpetuar sem consequências.
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