Sexta-feira passada o Jornal Nacional comemorou o
“reconhecimento pela ONU” da “eficácia” da “campanha antitabagismo” do Brasil.
É “a maior redução de número de fumantes do mundo”. A dúvida que remanesce é se
isso se deve à ilustração dos brasileiros sobre os malefícios do fumo ou ao
imposto de 87%, saudado em tom de conquista, com que Brasília gravou cada
cigarro fumado no País, o que tornou impossível ao pobre dar-se o luxo do vício
nos legalizados e, como sempre, proporcionou ao governo mais alguns bilhões
para serem transformados em mordomias, salários, “ajudas” e aposentadorias com
correções anuais por “produtividade” para aquele punhado de brasileiros
“especiais” com quem ele gasta quase integralmente os 35% do PIB (R$ 2,9
trilhões) que arranca ao favelão nacional todo ano.
Por acaso assisti a essa notícia na hora em que, pela
internet, informava-me sobre o balanço parcial das leis e alterações
constitucionais que já preencheram os requisitos para subir às cédulas da
eleição de novembro de 2020 pedindo o veredicto dos eleitores norte-americanos.
O Estado do Oregon, coincidentemente, vai votar uma emenda à Constituição local
propondo um aumento do imposto sobre cigarros e dispositivos eletrônicos de
fumar, todo ele destinado ao sistema de saúde. A proposta veio do governador,
que para ser autorizado a submetê-la ao povo teve, antes, de aprovar o pedido
de licença com um quórum superior a 60% na Assembleia Legislativa e no Senado
estaduais.
O último Estado americano a votar a taxação de cigarros foi
Montana, em 2018. A proposta foi recusada por 52,7% a 47,3%. Entre 2008 e 2018
os eleitores de nove Estados votaram impostos sobre cigarros naquele país, onde
pôr a mão no bolso dos contribuintes requer uma corrida de obstáculos, o que
explica por que o PIB de apenas um dos seus 50 Estados – o de Nova York –
equivale ao do Brasil e os dos outros 49 são “lambuja”.
Até 25 de julho 22 propostas de leis ou alterações
constitucionais tinham-se qualificado para subir às cédulas em 2020. Milhares
de outras de alcance municipal ou menos que municipal (vindas dos conselhos
gestores de escolas públicas de cada bairro, por exemplo) já estão nessa fila.
Entre 2010 e 2020 uma média de 15 referendos por Estado apareceram nas cédulas
nas eleições de anos pares. Esta do cigarro do Oregon é um “referendo
constitucional proposto pelo Legislativo” (legislatively referred
constitutional amendment), um dispositivo usado em 49 Estados. Mas há também as
“emendas constitucionais por iniciativa popular” (iniciated constitucional
amendment), que qualquer cidadão pode propor e qualificar para submeter ao eleitorado
colhendo um determinado número de assinaturas. Existem ainda os “referendos
automáticos” (automatic ballot referral), quando os Legislativos, obrigados por
leis de iniciativa popular anteriores, têm de submeter ao povo qualquer lei
abordando determinados temas (alterações de impostos, notadamente, entre outros
à escolha de cada comunidade).
Já os bond issues, muito comuns no país todo,
acompanham obras públicas e gastos fora do orçamento. De escolas para cima,
melhoramentos e obras envolvendo emissão de dívida pública têm de ser aprovados
no voto pelas comunidades que vão usar o bem e pagar por ele.
Sobem às cédulas para voto direto do povo até mesmo as
“advisory questions”, que qualquer um pode propor para acabar com aquelas
“verdades estabelecidas” que em países como o Brasil bastam para sustentar
legislações inteiras e privilégios mil só no papo-furado. Pergunta-se
diretamente ao eleitor se concorda ou não com aquela “verdade” (a
“impopularidade” da reforma da Previdência ou da reforma trabalhista, por
exemplo). O resultado não vira lei, mas serve para “orientar” legisladores, que
são, todos eles, sujeitos a recall.
Desde que o direito de referendo foi adotado pelo primeiro
Estado, em 1906, 521 subiram às cédulas de 23 Estados e 340 leis estaduais (65,3%
das desafiadas) foram anuladas pelo povo. Milhares de outras tiveram o mesmo
destino no nível municipal. Mesmo assim é bem pouco, o que prova que dispor da
arma induz automaticamente os representantes eleitos ao bom comportamento,
tornando desnecessário usá-la a toda hora.
Já o recall é bem mais “popular”. Até 27 de junho
72 processos atingindo 115 políticos e funcionários públicos tinham sido
abertos em 2019. Os recall são frequentemente decididos em “eleições
especiais” convocadas só para isso. 37% dos disparados em 2019 ainda dependem
de qualificação, 11% já têm votação marcada, 15% já foram votados e aprovados e
10% foram votados e recusados. 41 vereadores, 28 membros de conselhos de gestão
de escolas públicas e 22 prefeitos estiveram entre os alvos.
Foi desse ponto que voltei, naquela sexta-feira, para o
eterno “como resolver nossos problemas sem remover suas causas”, “como
sobreviver à nossa doença sem curá-la” dos doutos luminares que falam e agem
pelos brasileiros. Este jornal, invocando o FMI, torcia para que a montanha
cuspa o camundongozinho de sempre para “voltarmos a um crescimento de 2,2%
podendo chegar a 3% se e somente se dobrar a taxa de investimento de hoje” (o
que é totalmente impossível, recordo eu, mantidos os “direitos adquiridos” dos
brasileiros “especiais”). Na outra ponta The Intercept Brasil e suas
estações repetidoras, a Folha de S.Paulo e a Veja, batalhavam a
volta ao rumo da venezuelização começando pela libertação dos bandidos e a
prisão dos mocinhos, a bandeira que a vice-presidenta da chapa que disputou com
Bolsonaro pelo PT trouxe do outro lado da lei e tenta plantar no centro do
debate nacional. E entre os dois, mais do mesmo em dosagens variadas.
Como último recurso saltei para a internet, mas em vão. Ali
o mais longe que vai o futuro do Brasil é onde pode levar-nos a revolucionária
discussão sobre quem a polícia (que se pôs fora da reforma da Previdência quase
pela força das armas) deve ou não deve prender. Mudar o “Sistema”, que é bom,
nem uma palavra...
O Brasil é um país intelectualmente castrado.
*JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
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