O elevador panorâmico desce pelo subsolo em direção ao
gabinete mais profundo. Kesabel, o assessor, passa pelas salas com o
pior da humanidade —criminosos, banqueiros, despachantes e pessoas que colocam
a faca suja de sardela na manteiga. Ele bate na porta e entra no gabinete de
seu chefe, o rei das trevas, o Diabo.
“Estamos com ótimos trabalhos na Terra, Vossa Alteza.
Conseguimos a liberação da caça às baleias no Japão. Coreia do Norte voltou
a disparar mísseis no Pacífico. E o regente André Rieu anunciou mais uma
turnê mundial”, comemora Kesabel. O demônio ouve desinteressado, enquanto folheia
o livro “Cozinhando com Soja”.
O assessor continua: “Queria destacar as ações
no Brasil. Nossos agentes elegeram um presidente que, há pouco mais de 200
dias, causa estragos diários”. O Diabo fica confuso. Tenta se lembrar dos
últimos trabalhos que fez pelo Brasil.
Passa por represa de Itaipu, Sarney, reforma do Maracanã e a
coreografia do impeachment. Não, não havia recrutado aquele homem.
O assessor replica: “Pois ele liberou 290 agrotóxicos. Tem
veneno que deixa cego, sangra pelos poros e extermina
milhões de abelhas”. O Pai-do-Mal calculou: “Extinção das abelhas
acabaria com a humanidade. Como não pensei nisso antes?”.
“Tem mais”, continua Kesabel. “Só nesta semana,
ele incentivou a invasão de terras indígenas, o trabalho infantil, o trabalho escravo, questionou a CNH, a cadeirinha das crianças e
as mortes na ditadura.” “Eu nunca
vi tanta diarreia pela boca. Seria um concorrente?”, indaga o capeta.
“Se for, é dos bons. Até
a fome no Brasil ele disse que é mentira.” O demônio se enfurece:
“Eu inventei a fome. Quinze pessoas morrem por dia no país graças a mim”. O
assessor relativiza: “Parece que ele não liga muito para morte, chefe. Nem ele
nem a turma dele, uns tais de ‘cidadãos de bem’”.
O Diabo se preocupa: “Onde foi que erramos?”. “Eu disse
que você deveria ter acreditado nas redes sociais”, relembra o assessor.
“Como eu iria imaginar que os humanos gostariam de ver fotos
de viagem? Ficamos para trás, Kesabel”, choraminga o demônio, enquanto
acaricia Cérbero, seu cachorro de três cabeças.
Flávia Boggio
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