sábado, 10 de agosto de 2019

UMA USINA DE ENCRENCA

Da PIAUÍ
Suplente do PSL confirma reunião no Paraguai, mas diz que não citou Bolsonaro
empresário Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olimpio (PSL-SP), confirmou ter participado, no Paraguai, de reunião para tratar da venda de excedentes de energia de Itaipu no Brasil. Negou, porém, ter se apresentado como senador, e tampouco ter falado em nome do governo brasileiro ou da família do presidente Jair Bolsonaro. Nesta quinta-feira, o governo do Paraguai cancelou o acordo que havia pactuado com o Brasil sobre a venda de energia de Itaipu depois que a oposição usou o caso para pedir o impeachment do presidente e do vice-presidente paraguaios.
Em entrevista à jornalista Mabel Rehnfeldt, do jornal paraguaio ABC Color, o advogado José Rodríguez González relatou ter participado em maio de uma reunião, em Ciudad del Este, com dirigentes da Ande (estatal de energia daquele país) representando o vice-presidente do Paraguai, Hugo Velázquez. Do encontro, segundo Rodríguez afirmou ao jornal, participaram também Giordano e um enviado da empresa brasileira de energia Grupo Léros, potencial interessada em comprar energia paraguaia de Itaipu. Ainda segundo Rodríguez, ambos se apresentaram como representantes do governo brasileiro. “Não somente a mim, mas a todos que estavam na reunião”, afirmou.
Brasil e Paraguai são sócios na hidrelétrica de Itaipu. Um tratado determina que a energia gerada pela usina deve ser dividida entre os dois países, mas os paraguaios utilizam uma parcela pequena de sua parte e vendem ao Brasil o excedente. Um adendo ao tratado foi assinado pelos presidentes Jair Bolsonaro e Mario Abdo Benítez. Ele previa a renúncia de benefícios pelo Paraguai, o que aumentaria em 200 milhões de dólares os custos para a Ande. A revelação dos termos do novo acordo provocou crise no Paraguai e a renúncia do chanceler paraguaio. A oposição abriu um processo de impeachment contra Abdo, que se viu obrigado a anular o acordo.
O advogado Rodríguez é apontado como um dos responsáveis por ter retirado do acordo um item que permitia que o Paraguai vendesse seu excedente de energia a qualquer empresa no mercado brasileiro. O texto que fora aprovado (agora sem efeito) beneficiaria apenas empresas com endosso dos governos.
Ouvido pela piauí nesta quinta-feira, Giordano disse que foi à reunião como empresário. Questionado se havia contado ao Major Olimpio que participou do encontro no Paraguai, o suplente afirmou: “Lógico que não, o Major Olimpio não é meu patrão, não é meu sócio, não é nada. Não tenho de dar satisfação para ele de onde eu vou. Não estou fazendo nada que tenha a ver com o gabinete dele. Posso dar satisfação se for num evento público falar sobre política, mas isso aí é uma relação minha, empresarial, particular, não vou ficar dando satisfação para ele nem para ninguém.”
Giordano, também do PSL, afirmou que a reunião no Paraguai “durou quinze minutos”. Ele disse não lembrar da data, “em fevereiro ou em maio” e que não voltou mais ao país. No dia anterior, porém, a reportagem tentou localizá-lo por telefone em seu escritório em São Paulo. A secretária disse que o chefe não estava e que acabara de voltar naquele dia de uma viagem ao Paraguai.
Giordano disse à piauí que possui três empresas, uma de montagem de estruturas metálicas, uma de extração de areia e uma “que mexe com madeira”. Embora não atue diretamente com compra e venda de energia, disse que seu grupo tem capacidade de atuar na área. Apresentou versões conflitantes sobre sua participação na reunião no Paraguai. “Perguntaram se minha empresa tinha interesse na infraestrutura de torres metálicas, caso o governo paraguaio fosse vender [energia a empresas brasileiras].” Mais adiante na entrevista, a versão mudou um pouco: “Na verdade eles nem perguntaram de qual empresa eu era, ninguém me perguntou nada. Fui como empresário escutar. Imagina você vai numa palestra, o cara está falando e você está ouvindo.”
O suplente de Olimpio afirmou que não conhece “ninguém do Paraguai” nem da família Bolsonaro. “Não tenho amizade com o Bolsonaro, nunca nem dei a mão para o Bolsonaro, não tenho amizade com os filhos dele, não frequento a casa deles, não frequentam minha casa, tenho relação zero com eles. A única coisa é que, em nome do crescimento do país, resolvi apoiar o governo. E acredito muito no senador Major Olimpio, estou no projeto dele, que para mim é um grande líder. Mas eu sou um reserva sentado no banco, tenho que tocar minha vida, minhas empresas.” 
Indagado por que então o advogado paraguaio teria citado seu nome como representante de Bolsonaro, Giordano declarou: “Na reunião perguntaram qual é meu nome. O cara pode ter dado um Google no meu nome e visto que sou suplente do Olimpio. O cara pode ter fantasiado esse mundo de Alice aí. Tem muita gente que vive na terra de Nárnia. Alguém quis levar vantagem em vaidade de alguma coisa, sei lá.”
“Agora ninguém me vê mais como um empresário de sucesso, me vê como um político. Tudo que eu fizer agora eu estou fazendo lobby? É até desmerecimento a alguém como eu, que começou vendendo hot dog aos 12 anos com a mãe na [rua] 25 de Março. É brochante”, queixou-se o empresário de 46 anos.
Giordano também negou qualquer envolvimento com a Léros em relação ao Paraguai. “Já trabalhamos juntos antes, mas fui representando a minha empresa, a Léros estava lá como outra empresa.”
O sócio-fundador e diretor-executivo da Léros, Kleber Ferreira, disse que a empresa enviou um representante à reunião atendendo a um chamamento público da estatal de energia paraguaia, já que atua há muitos anos no setor, mas negou que ele ou Giordano (a quem disse conhecer) tenham se apresentado em nome do governo brasileiro. “Cada um foi ver possibilidade de negócios.”
O senador Major Olimpio disse que seu suplente “nem conhece a família Bolsonaro, não tem contato nenhum” com o presidente e cobrou “esclarecimentos sobre os pontos dessa reunião, o que ele disse e o que não disse”. Se Giordano quis “parecer ter uma influência que não tem”, afirmou o senador, “seria uma coisa absurda demais, uma tremenda mentira”. 
Olimpio relatou ter questionado Giordano sobre o episódio e disse que o suplente negou que tenha mencionado relações com a família presidencial.
“Eu nem sabia que ele teria participado de reunião dessa natureza. Ele é meu amigo de muitos anos da Zona Norte [da capital paulista] e ajudou na organização do partido em São Paulo, mas não me meto nas atividades empresariais dele”, afirmou o senador. “É lógico que ele não me deve satisfação das suas atividades empresariais, da mesma forma que ele não tem vínculo com o exercício do meu mandato. Só assume se eu renunciar ou morrer.”
Giordano cedeu uma sala em seu escritório ao diretório do PSL na capital paulista e trouxe novos membros à agremiação, alguns dos quais chegaram a se candidatar nas eleições de 2018. No Tribunal Superior Eleitoral, não consta doação do suplente à candidatura do titular.
O diretor-geral brasileiro de Itaipu, general Joaquim Silva e Luna, disse que desconhece Giordano, a Léros ou qualquer negociação envolvendo o governo brasileiro. “Nunca ouvi falar. Não acredito que alguém tenha falado pelo governo”, declarou Silva e Luna, ex-ministro da Defesa no governo Temer. Segundo ele, seus auxiliares consultaram o Palácio do Planalto. “Também desconhecem completamente. Se houve qualquer coisa dessas, a primeira pessoa a ser informada seria eu”, afirmou o general.
Procurado, o porta-voz de Bolsonaro, Otávio Rêgo Barros, não respondeu até a publicação deste texto.
Repórter da piauí. Na Folha de S.Paulo, onde trabalhou por vinte anos, foi repórter especial e correspondente em Londres
Repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo, foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília
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