Enforcou-se na zona
rural do convento de L’Arbresle, nos arredores de Lyon, França, já enlouquecido
pelo trauma de ter passado 14 meses nos porões da ditadura militar.
A tragédia que tirou
a vida do frei acontecera na noite do dia dez de agosto de 1974, quando a
repressão da qual ele foi vítima ainda continuava a prender, torturar e
assassinar no Brasil.
Pensei em iniciar
este resumo com os nomes dos seus torturadores conhecidos, porém a náusea não
me permitiu.
Desde muito novo
Tito concluíra que só a vida religiosa daria sentido luminoso aos seus passos e
que só na Igreja – consoante visões febris de Isaias – viria fazer justiça aos
pobres da terra. Para ele, a Igreja não é templo dos ricos; ao contrário, é
ainda a fraternidade subversiva das catacumbas romanas, sem profanações do
dinheiro, e para sempre incumbida da construção de um futuro de justiça e
liberdade, do futuro sem peias, quando Deus mesmo estará com seu povo.
Em 1969, Tito
cursava Filosofia na Universidade de São Paulo e já tinha em seu currículo um
histórico de militância: fora dirigente regional e nacional da Juventude
Estudantil Católica, um dos movimentos de vanguarda da militância cristã da
época.
Na madrugada do dia
3 para o dia 4 de novembro, Tito foi preso junto com outros dominicanos no
convento em que morava pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, seu
primeiro torturador. Nesse dia, a sua igreja lhe faltou.
Entre os presos
estava Frei Betto, suspeito de participar de um esquema comandado pelo líder da
Aliança Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella, grande vulto brasileiro
que pregava a luta armada. Começava, assim, o martírio de Frei Tito e dos seus
irmãos. Como instrumento de intriga, os agentes da repressão espalharam a
história que os dominicanos traíram os participantes da ALN, sendo este mal
entendido esclarecido apenas em 1982, com a publicação do formidável Batismo de
Sangue, livro do frei Betto.
Foram vários meses
de horrores e vilanias. “Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua
valentia”, disse-lhe um torturador. O frade dominicano passou pelo
pau-de-arara, sentou na cadeira do dragão e recebeu choques elétricos na
cabeça, nos ouvidos e nos tendões do pé.
Deram-lhe pauladas
nas costas, no peito e nas pernas, incharam suas mãos com palmatória,
revestiram-no de paramentos e o fizeram abrir a boca "para receber a
hóstia sagrada" - descargas elétricas na boca. Queimaram pontas de cigarro
em seu corpo e fizeram-no passar pelo "corredor polonês". Apesar da
intensa tortura que sofrera, Frei Tito nunca falou. “É preferível morrer do que
perder a vida”, anotou em sua Bíblia, depois que um de seus torturadores avisou
que, se não falasse, seria quebrado por dentro.
Em janeiro de 1971,
foi banido do país; voou para o Chile e, depois, para Roma, Paris e Lyon. Mas o
sonho da morte o habitava. A tortura que sofrera no Brasil havia rebentado seu
espírito e continuava atormentando-o sem parar. “Longe vem o retirante... vem
dizer que nos esquecemos de amar”, ele disse nos poemas. Tito sentia “um
silêncio de Deus”. Certa vez, escreveu: “Não busco o céu, mas talvez a terra,
um paraíso perdido”. Mas, o paraíso na terra estava perdido para sempre: em
agosto de 1974 Frei Tito livra-se da tortura e morre, na certeza de poder viver
depois da morte.
Na cruz que lhe
coube entre os bosques de L’Arbresle, está gravado: "Frei da Província do
Brasil. Encarcerado, torturado, banido, atormentado até a morte, por ter
proclamado o Evangelho, lutando pela libertação de seus irmãos. Tito descansa
nesta terra estrangeira".
A inscrição termina
com estas palavras cortantes de Lucas: “Digo-vos que, se os discípulos se
calarem, as próprias pedras clamarão”.
Em 1970, sob
custódia da “Operação Bandeirantes”, frei Tito escreveu sobre a sua tortura num
documento que rodou o mundo, tornando-se um dos símbolos da luta pelos direitos
humanos na ditadura. Quando foi solto, em dezembro do mesmo ano, pediu exílio
no Chile, de onde seguiu para Itália e França.
As feridas de seu
corpo cicatrizaram, mas as torturas deixaram marcas incuráveis em sua alma. Era
constantemente atormentado pelos fantasmas do passado, via Fleury em todos os
lugares, ouvia suas ameaças. Fez terapia, mas de nada adiantou: seus traumas
eram demasiadamente profundos. Enlouquecido, sozinho, atormentado, Tito morreu
sob a copa de um álamo. “Se minha alma está morta, quem a ressuscitará?”,
escrevera ele pouco antes de morrer. Esse discípulo não se calou. Afirmou seus
princípios no paraíso da meninice, nos longos dias de combate e no inferno que
finalmente o consumiu.
Quando, só em 25 de
março de 1983, o corpo de Frei Tito chegou ao Brasil, foi realizada em São
Paulo uma missa de corpo presente acompanhada por mais de 4 mil pessoas.
Fontes: jornais e
Grupo Tortura Nunca Mais.
Conteúdo do
blog Ainda
Espantado
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