A encruzilhada da direita que já nega Bolsonaro, mas ainda
não tem voto
O que se anunciava nos últimos meses tomou forma explícita
no fim de semana. Expoentes da centro-direita brasileira selaram seu divórcio
de Jair
Bolsonaro e recolocaram na praça o
projeto de se reaglutinar em torno do apresentador Luciano Huck, num
precoce movimento rumo a 2022. As declarações do apresentador ao Estado de S. Paulo ao
lado da entrevista a OGlobo do ex-presidente do
Banco Central Armínio Fraga se complementam numa campanha para retomar um
difícil lugar do espectro político, mais próximo do ponto médio. Num país que
dizimou o centro nas últimas eleições e com Bolsonaro firmemente disposto a
segurar seu bastião de fiéis por meio da radicalização, Huck surge como
esperança de ser um puxador de voto para as ideias liberais na economia sem ser
conservador nos costumes.
A fotografia atual das pesquisas vale pouco para prever algo
tão adiante como as próximas presidenciais, mas ajudam a entender as atuais
articulações. Os números da consultoria Atlas Político mostram, na
mesma linha do Datafolha, como avança a rejeição de Bolsonaro —ultrapassou
50% os que dizem que ter uma imagem negativa do ocupante do Planalto. As cifras
do Atlas, no entanto, mostram que não foi só o presidente que viu minguar a
simpatia do eleitorado. As imagens de todos os políticos avaliados pioraram,
com exceção nada desprezível do ministro da
Justiça, Sergio Moro, que se manteve na liderança do ranking de imagem, com
mais de 50% opinando positivamente sobre ele.
Chama atenção, por exemplo, a performance ruim do governador
de São Paulo, João Doria (PSDB), outro
nome da direita que tenta se descolar de Bolsonaro após a união
superexplorada na campanha. O tucano outsider viu sua imagem
negativa disparar no último mês. Entre julho e agosto, a visão negativa do
governador passou de 42,5% para 58,3%, segundo a pesquisa. O Atlas Político
ouviu 2.000 pessoas recrutadas aleatoriamente na Internet, com amostra
rebalanceada por meio de um algoritmo para ter representatividade nacional. A
margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Rodrigo Maia, herói do mercado financeiro por ter liderado a
aprovação da reforma da Previdência, também viu sua imagem negativa avançar, de
60,7% para 66%, também em um mês. Maia é um dos símbolos em Brasília da ideia
de que é preciso preencher um espaço que fuja do radicalismo e de “propostas
exageradas”, como o retrocesso dos direitos da mulher, ou a abertura
escancarada para a venda de armas. A rejeição ao extremismo adotado por Jair
Bolsonaro vem tanto de nomes como o presidente da Câmara como de integrantes do
próprio partido do presidente. “Estamos trabalhando na construção de uma
candidatura de centro direita”, disse um deputado do PSL, pouco antes de se
encontrar com Maia, que também enxerga nessa via o caminho natural para
encontrar um candidato que venha a presidir o Brasil em 2022.
O presidente da Câmara, que costuma dizer sem delongas que
ele próprio não seria um alavancador de votos, é um dos poucos que falam
abertamente que Bolsonaro é de extrema direita, um rótulo que o mandatário
refuta. Na semana passada, quando se viu numa disputa verbal com o presidente
francês, Emmanuel Macron, por causa das queimadas na Amazônia, Bolsonaro se
autointitulou de centro-direita. “Essa inverdade do Macron ganhou força porque
ele é de esquerda, e eu sou de centro-direita”, disse Bolsonaro. Dias antes o
Palácio do Eliseu afirmara que Bolsonaro mentiu para Macron durante a cúpula do G-20,
em Osaka, quando disse que se comprometia com compromissos ambientais para
fechar o acordo Mercosul- União Europeia.
Nenhum avanço da oposição tampouco
“O centro está abandonando o Bolsonaro, mas a base
bolsonarista é ainda bastante coesa. A centro-direita sofre com a polarização
política igual à centro-esquerda”, analisa Andrei Roman, diretor do Atlas
Político. “Outro aspecto surpreendente da queda de popularidade do presidente é
que ela não resulta tampouco no avanço de nenhuma figura da oposição à
esquerda. Os níveis de aprovação e desaprovação de Lula, Haddad e Ciro estão
estagnados”, segue Roman.
É neste cenário que a resiliência da base bolsonarista chama
atenção ao passo que a busca de um nome como Huck cobra lógica na ótica dos
expoentes da centro-direita bem vistos pelo empresariado e pelo mercado
financeiro, como Armínio Fraga e o ex-governador do Espírito Santo, Paulo
Hartung. Fraga enviou recado ao empresariado e aos investidores: Bolsonaro já
danifica a democracia e, portanto, é uma ameaça para os negócios, disse
ao Globo. Aos solavancos da retórica do presidente, como na crise
da Amazônia, não há blindagem de projeto liberal que resista, enunciou. Ao
mesmo tempo, na contramão dos movimentos de polarização do eleitorado que não
são vistos apenas no Brasil, o apresentador da TV Globo buscou um
posicionamento clássico contra os rótulos ideológicos: “O povo está cada vez
com mais dificuldade em rotular as posturas e pensamentos entre direita,
esquerda ou centro”, disse ao Estado. É preciso, pregou, “chutar
com as duas pernas”.
“Em contextos de polarização política muito forte, os
candidatos de centro tendem a ser dizimados — veja a Marina Silva nas
últimas duas eleições, por exemplo—, a não ser que os polos ideológicos estejam
tão desgastados que possa surgir uma nova alternativa centrista, como aconteceu
na França com o Macron, um candidato carismático que conseguiu fazer uma
síntese de uma pauta econômica liberal com valores progressistas”, diz Roman.
“Huck é provavelmente um candidato mais frágil do que o Macron era e as
condições estruturais do país são muito diferentes”, segue o diretor do Atlas.
Uma das perguntas também é quanto tempo Huck, agora tão explicitamente no jogo político, resistirá à
frente de uma vitrine imbatível como o seu Caldeirão do Huck. Às
vésperas da campanha de 2018, circulou que a Globo fez o apresentador saber que
um salto ao mundo político seria um ponto de não retorno. Qualquer que seja o
desfecho, já estará feito o trabalho de imagem de décadas, onde ele
combina a aparição das celebridades do momento com quadros
sociais/assistenciais pelo país. Uma de suas bandeira é nada menos do que a
educação pública.
Seja como for, no momento Bolsonaro ainda exibe uma base
firme e fiel que dará trabalho para um futuro competidor. Um observador atento
ao jogo político do Brasil lembra que a construção de uma candidatura leva
tempo – e por ora o nome de Huck parece forte por contar com uma elite
articulada e recursos para se expor – e que, por isso, é muito cedo para fazer
prognósticos seguros. “Há muita água para passar por baixo da ponte e 2020
é primeiro teste. Mas nada é decisivo, como mostrou a eleição de 2016,
quando Geraldo Alckmin saiu como o grande vitorioso por ter apostado em
João Doria para a Prefeitura de São Paulo, que ganhou em primeiro turno”,
diz. “Dois anos depois, Alckmin não era ninguém”, pondera ele, lembrando
os ínfimos 5% que o tucano levou na corrida presidencial vencida por Bolsonaro.
O Planalto tampouco assiste aos movimentos de braços
cruzados. Bolsonaro, que se engajou num jogo de desgaste com Sergio Moro, já
havia partido para as críticas a Doria e até mesmo a Huck, lançando-se à
reeleição sem maiores disfarces, numa aceleração explícita do calendário
eleitoral. Em 2018, o capitão reformado do Exército se impôs ao sistema
partidário tradicional, concorrendo a bordo do minúsculo PSL —a mesma elite
partidária que expeliu o ultradireitista, aliás, também não acolheu Huck,
preferindo Alckmin. Agora Bolsonaro não só tem a máquina da presidência como
seu PSL é de dono de um montante relevante do fundo partidário rumo às
municipais. Poderá um Governo voltado a uma minoria radicalizada se perpetuar?
Depois de rever muitos de seus dogmas no ano passado, a ciência política
brasileira também aguarda para escrever a quente esse novíssimo capítulo.
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