No início deste século, cerca de cem milhões de americanos investiam no mercado acionário. Há 20 anos, portanto, um em cada três cidadãos possuía ações de empresas negociadas nas bolsas daquele país. Em 2016, segundo o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), 51,9% das famílias da maior economia do planeta tinham dinheiro aplicado em ações, direta ou indiretamente (por meio de fundos).
Em 2007 e 2008, os EUA foram o epicentro da mais grave crise financeira em escala global desde a Grande Depressão, em 1929. Após o ápice da confusão, em meados de setembro de 2008, quando o centenário banco Lehman Brothers quebrou, o índice Dow Jones caiu mais de 50%. O baque foi forte.
Bancos, seguradoras, corretoras, gestoras, fundos de pensão, empresas de todos os portes e milhões de pessoas, muitos aposentados, perderam fortunas da noite para o dia. Mas nem a crise que parecia anunciar o fim do capitalismo ou de uma das fontes de seu dinamismo – o mercado de capitais – conseguiu afastar os americanos das bolsas por muito tempo.
Pesquisa do Instituto Gallup divulgada em maio de 2018 mostrou, porém, que 2008 tornou os jovens mais cautelosos. A enquete revelou que, nos sete anos anteriores àquela crise, 52% dos entrevistados com menos de 35 anos investiam em ações. Nos últimos dois anos, o percentual recuou para 37%.
Entre os americanos com mais de 35 anos, 66%, em média, aplicavam em ações antes da crise e, agora, 61% ainda fazem isso – como diria Ancelmo Gois, deve ser horrível viver num país assim…
O mercado acionário é uma das fortunas do capitalismo americano. Por meio dele, grandes companhias floresceram, afinal, em qualquer lugar, é muito mais barato financiar um negócio com dinheiro de acionistas anônimos do que com crédito bancário. A cultura do investimento em bolsa sedimentou, nas famílias americanas, a noção de risco, a percepção de que não se constrói riqueza sem trabalho, esforço, sacrifício, suor.
Acionistas sabem que o negócio é tanto deles, detentores de parcela minoritária do capital, quanto dos donos do controle. Todos perdem juntos se algo der errado, se alguém locupletar-se, se o Estado tomar alguma decisão errada tanto na gestão macro (controle da inflação e dos gastos públicos, por exemplo) quanto microeconômica (regulação dos serviços públicos prestados por empresas privadas, ambiente de negócios etc.) do país.
Com poucas exceções – a mais notória do passado recente aconteceu durante a tempestade de 2008, quando grandes bancos, seguradoras e empresas foram salvos pelo governo americano -, sabe-se nos EUA que o governo não costuma colocar dinheiro público para erguer ou salvar companhias. A necessidade de acompanhar o desempenho cotidiano não só das empresas de que detêm ações, mas também da economia de seu país, deu aos americanos um grau de educação financeira desconhecido entre nós, brasileiros, a bordo do 6º ou 7º Produto Interno Bruto do mundo e de um Estado democrático de direito.
O Brasil construiu uma economia forte e diversificada entre as décadas de 1950 e 1970 e tentou erigir, a exemplo dos EUA, um mercado acionário vigoroso. Aprovou-se uma lei moderna para o funcionamento das sociedades anônimas em meados dos anos 70, mas que, em boa medida, tornou-se letra morta ao longo do tempo.
Concorreram para o fracasso do sonho brasileiro três fortes razões: a mentalidade de “capitão da indústria” presente em ampla parcela do empresariado naquela época; o uso de recursos públicos aos baldes – do BNDES, do Tesouro e de estatais – para produzir bens e serviços; e as sucessivas crises econômicas que assolaram o país desde a primeira grande crise do petróleo, em 1973.
No Brasil, ainda há muito empresário que prefere ser amigo do rei e, assim, obter ajuda oficial para tocar seus negócios sem a aporrinhação de acionistas e das autoridades que fiscalizam as empresas de capital aberto. A intervenção do Estado na economia onde isso não é mais necessário é sinônimo de desperdício de dinheiro público, ineficiência e corrupção. A sangria promovida nos cofres da Petrobras, nossa maior e mais importante estatal, subtraiu algo como R$ 20 bilhões da nação, tornando-se a prova definitiva de que o petróleo, ao contrário do que prometia a ruidosa campanha popular de 1953, não é nosso.
Só é possível desenvolver um mercado de capitais vigoroso, que facilite e democratize o acesso das pessoas não apenas à bolsa de valores mas a outros segmentos, com economia estável – inflação baixa e, consequentemente, juros civilizados – e participação cadente de dinheiro público no financiamento das empresas. Sabemos que a taxa básica de juros, a Selic, está no menor patamar da história (6% ao ano), mas que a vitória, para que continue lá e até caia, ainda não foi totalmente conquistada.
Em 2002, o Brasil tinha 85.249 investidores na B3, a bolsa de São Paulo. Em 2010, auge do último boom da economia, eram 610.915. A tragédia liderada por Dilma Rousseff assustou os investidores. O juro baixo e a perspectiva de o país finalmente aprovar as reformas de que tanto necessita estão fazendo os viventes da Ilha de Vera Cruz ver luz no horizonte – em julho, havia 1.244.953 acionistas de companhias de capital aberto.
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