Câmara dos Vereadores censura exposição de charges
críticas a Bolsonaro em Porto Alegre
Durou menos de 24 h a exposição de desenhistas gaúchos
com charges,
tirinhas e cartuns, alguns com conteúdo crítico ao governo
de Jair Bolsonaro (PSL), na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
A exposição “O Riso é Risco: Independência em Risco –
Desenhos de Humor” foi vista no local apenas entre as 19h da última
segunda-feira (2) e o início da tarde de terça-feira (3), quando foi recolhida
por ordem da presidente da Câmara, a vereadora Mônica Leal (PP). A mostra
deveria ficar em cartaz até 13 de setembro, mas foi censurada.
A mostra com 36 desenhos de 19 artistas, entre eles nomes
como Santiago e Edgar Vasques, foi organizada pelo Grafistas Associados do Rio
Grande do Sul (Grafar) com apoio do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), que
solicitou formalmente o uso do espaço, uma das atribuições garantidas aos
parlamentares.
Na semana quando se celebra a independência do Brasil,
algumas peças questionam a soberania do país em relação aos Estados Unidos
de Donald Trump;
outras denunciam a questão indígena, ambiental e de direitos humanos.
“Foi uma censura. É como censurar uma coluna de opinião de
um jornal. Charge é opinião e crítica. Agora os painéis que sustentam os
desenhos estão em um canto, acorrentados, o que é muito simbólico”, disse
à Folha Leandro Hals, presidente da Grafar, entidade criada há
quatro décadas, durante a ditadura militar.
Para a vereadora que determinou a retirada do material, os
desenhos ofendem Bolsonaro e por isso não devem ser expostos. “São charges
ofensivas com o presidente Bolsonaro lambendo botina do Trump, com uma cadeira
presidencial vazia com penico em baixo. Mandei retirar a exposição. Fosse o
presidente [retratado] que fosse, não importa a sigla que fosse, não é
concebível uma exposição que ofenda o presidente da nação”, disse Leal.
O cartunista Celso Schröder diz que o argumento da vereadora
de que as charges “ofendem Bolsonaro” é o mesmo dos radicais que atacaram o
jornal francês Charlie Hebdo com
a justificativa de que charges ofendiam lideranças islâmicas e Maomé. Doze
pessoas morreram no atentado terrorista ao jornal, em 2015.
“É o mesmo argumento do ataque em Paris, é um argumento
insustentável. É uma censura de estado. É o estado impedindo que uma
manifestação se realize. Isso é censura”, diz Schröder, que também é professor
de Jornalismo na Faculdade de Comunicação (Famecos) da Pontifícia Universidade
Católica do RS (PUC-RS).
O professor explica que a essência da charge é justamente a
crítica, seja a governos ou políticos. “A palavra vem do francês ‘charger’ que
significa ‘fazer carga contra’. A charge usa o humor. O mecanismo do humor,
para funcionar, precisa construir um paradoxo que crie um impacto no leitor,
provoque uma tensão que encontra sua saída no riso, para que se construa uma
espécie de catarse. É uma piada desenhada”, diz.
Uma das charges mostra Bolsonaro como Narciso, do mito grego
em que aparece admirando seu reflexo em um lago. Na charge de Bruno Ortiz,
Bolsonaro é um Narciso que olha para a água de uma privada, por exemplo.
Outro desenho faz um paralelo com a Pietá, de Michelangelo.
Ao invés de Maria segurando Jesus, Schröder desenhou uma indígena
segurando um jovem com cocar, coberto pela bandeira do Brasil.
A vereadora argumenta que no pedido aprovado para a
realização da mostra não constavam todos os desenhos. Se estivessem
anexados, não seriam liberados, disse Leal.
"Veja como ela naturaliza o papel de censora. Foi
anexado uma só. Mas ela usa de suas preferências para impedir a divulgação de
uma crítica política", rebateu Sgarbossa, que formalizou o uso do espaço
público para os cartunistas.
“Durante a ditadura, O Pasquim era um jornal com muito
cartum. De todas as manifestações culturais censuradas na época, o cartum
conseguiu transitar aqui e acolá. É preocupante que agora seja censurado
formalmente pelo estado. É um sintoma do que está acontecendo. É o sintoma que
preocupa, a exposição a gente faz em outro lugar”, diz Schröder.
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