Um dia depois de ter invocado o Ato Institucional nº 5 como
possível meio para barrar por aqui manifestações de rua como as que ameaçam os
governos do Chile (de direita) e da Colômbia (de centro), o ministro Paulo
Guedes, da Economia, tentou pela segunda vez reparar os estragos que produziu
com o que disse.
Para que não parecesse que engatou por completo uma marcha
ré, insistiu em classificar as manifestações de rua como “uma bagunça, uma
convulsão social” capaz de afastar os investidores estrangeiros de olho no
mercado nacional. E pregou a instalação no Brasil de uma democracia que chamou
de “responsável”.
– Eu acho que devemos praticar uma democracia responsável.
Sabe como jogar o jogo da democracia? Espere a próxima eleição. Não precisa
quebrar a cidade. Acho que isso assusta os investidores, acho que não ajuda nem
a oposição, é estúpido – declarou em Washington, onde se reuniu com empresários
americanos.
Adjetivar a democracia é meio caminho andado para propor sua
extinção. É também um truque antigo e conhecido usado por governantes
autoritários para chamar de democracia o que muitas vezes não passa de uma
ditadura com vergonha de se identificar como tal. Guedes viu isso de perto no
Chile nos últimos anos 70.
Como professor universitário, viu a ditadura do general
Augusto Pinochet apresentar-se como uma “democracia autoritária”. Em seguida,
como uma “democracia protegida”. Naqueles tenebrosos anos, a ditadura militar
brasileira de 1964, por vergonha ou simplesmente astúcia, travestia-se de
“democracia relativa”.
Nem quando tirou a máscara em dezembro de 1968 com a edição
do AI-5, seu ato de força mais brutal, a ditadura teve peito para se assumir
como ditadura. Naquela data, entre os muitos presos sob o pretexto de que
punham o regime em perigo, esteve o advogado conservador e anticomunista
Heráclito Fontoura Sobral Pinto.
Paraninfo de uma turma de formandos em Goiânia, Sobral Pinto
foi levado para uma delegacia em Brasília, e solto poucos dias depois.
Interrogado, ouviu de um dos seus carcereiros que o governo da época estava
gestando uma “democracia à brasileira”. Foi quando ele deu uma resposta que se
tornaria célebre:
– Ora, tenha paciência. Não existe democracia à brasileira.
Existe é peru à brasileira. A democracia é universal.
Universal tem sido também o empenho dos adeptos do
autoritarismo em eliminar ou restringir princípios e direitos que caracterizam
a democracia. No passado, valeram-se para isso de tropas armadas e de tanques
de guerra. Hoje, procuram minar a democracia por dentro, enfraquecendo-a aos
poucos.
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