Peço licença ao leitor do BRPolítico para desenvolver, nesta
coluna, uma análise que publiquei no site nesta terça-feira. É que o assunto é
inescapável. Trata-se, por óbvio, da entrevista do ministro Paulo Guedes nos
Estados Unidos, em que teceu uma tese segundo a qual, se a esquerda
radicalizar, não se poderá reclamar caso o “lado de cá”, do governo, replique
falando em um novo AI-5.
Algumas coisas não devem ser ditas por homens públicos, em
on ou em off, no caso concreto ou em tese. Menos ainda pelo responsável pela
Economia do País e aquele a quem a sociedade, o mercado, o setor produtivo e o
mundo veem como a âncora de confiabilidade de um governo em que esse ativo já
foi completamente dilapidado em 11 meses.
Eu sei que Guedes não defendeu medidas extremas em sua fala.
Não tenho por que desconfiar da convicção democrática do ministro. Já ouvi dele
próprio o raciocínio que levou à sua declaração, em uma conversa informal
recente.
A base é um lamento: ele sabe que sua agenda de reformas
pós-Previdência foi abatida enquanto decolava com a soltura de Lula, a
radicalização de seu discurso e a reação imediata de Jair Bolsonaro – a meu
ver, misto de paranoia, autoritarismo e nenhuma fé no credo liberal.
Escrevi que isso iria acontecer neste mesmo espaço, no
último dia 10, o domingo imediatamente subsequente ao “Lula solto”. O caudilho
petista estava, então, havia dois dias na rua, mas eu cravei: a agenda de
Guedes tinha tudo para ser a primeira vítima da volta da polarização
esquerda-direita ao seu grau máximo.
Não deu outra, e não demorou. Bolsonaro mandou segurar a
reforma administrativa e as demais Propostas de Emendas à Constituição que
tratam de mudanças fiscais e federativas, que já tinham ido ao Congresso, agora
devem andar em ritmo lento.
Mas naquele mesmo texto eu já dizia, no título, que a
ocasião seria uma espécie de “PhD” para Guedes, economista brilhante, mas cujas
declarações em política às vezes resvalam para a ingenuidade, outras tantas dão
mostras de incompreensão dos ritos democráticos – como quando defendeu uma
“prensa” no Congresso para aprovar as reformas, ainda na transição.
Dizer que não seria surpresa que setores do governo
defendessem, ainda que como reação à oposição, medidas como um inadmissível
AI-5 ou algo próximo, coloca o fiador da economia no mesmo barco que a ala
ideológica e autoritária do governo – que, aliás, age para fustigá-lo, e à qual
ele deveria ser um contraponto necessário.
Por isso, não dá para passar uma flanela na fala do
ministro. Mesmo porque ela embute perigosa condescendência com o autoritarismo
demonstrado pelo presidente e o entorno, que vêm numa nítida escalada de
radicalização, usando a soltura de Lula e a conclamação que ele faz para que as
pessoas vão às ruas como pretexto para defender, por exemplo, excludente de
ilicitude para Operações de Garantia da Lei e da Ordem. A declaração tem,
ainda, um erro factual: omite que Eduardo Bolsonaro falou em AI-5 muito antes
da soltura de Lula – e não como reação a ele, como deu a entender o ministro.
É urgente que Guedes se retrate. O ministro acha que foi
vítima de uma pegadinha, e sua fala foi distorcida e tirada de contexto. Mas
algumas ideias complexas, que cabem bem numa conversa informal, se tornam
desastrosas quando expressadas numa coletiva, por uma autoridade.
O AI-5 é uma chaga histórica indelével, de uma ditadura que
o Brasil não aceitará repetir, em nenhum grau, sob nenhuma justificativa e em
nenhuma circunstância. A democracia é um valor absoluto e intransitivo, que não
permite meio termo. Eu coloco Guedes entre os democratas. Ele precisa deixar
isso claro, pois nem todos à sua volta estão no mesmo pelotão.
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