O governo apresentou propostas de emenda à Constituição
(PECs) para atacar o desequilíbrio das contas públicas. Uma delas prevê a
extinção dos chamados fundos públicos, que geralmente contam com receita
carimbada para financiar determinados gastos. Há algumas ineficiências nessa
matéria, mas virar a mesa não parece ser o caminho mais sensato. Em meio à
estagnação da economia brasileira, o papel do Estado é central e decisivo.
Seguramente, há fundos desnecessários. Alguns deles se
transformaram em feudos controlados por grupos que se acham donos de fatias do
orçamento público. Contudo existem fundos importantes para a sociedade e para a
economia, que muitas vezes não estão associados a vinculações orçamentárias. Na
verdade, são instrumentos para canalizar recursos para parcerias
público-privadas (PPPs), exportações e agronegócio, dentre outras áreas.
É preciso avaliar caso a caso antes de sacar recursos desses
fundos, como pretende o governo. Alega-se que o saldo acumulado seria utilizado
para pagar dívida pública. No entanto, esses pagamentos representariam, em
última instância, aumento do dinheiro em circulação na economia. O Banco
Central (BC), por sua vez, teria de enxugar esse possível excesso de liquidez
com títulos – as tais operações compromissadas. No fim das contas, a queda
inicial da dívida seria neutralizada por esse aumento das operações do BC. Elas
por elas.
A OCDE recomendou aos líderes europeus ações para aumentar
os investimentos públicos, com vista a reverter a desaceleração econômica na
região. Na Europa, o Plano Junker segue essa diretriz. Seu objetivo é garantir
assistência técnica e recursos para estruturar projetos de investimento. Um dos
pilares do plano é o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, criado em
2015 para prover recursos nas áreas de concessões e PPPs.
A ideia desse fundo europeu é simples: atrair as
instituições financeiras para projetos essenciais ofertando garantias com
dinheiro do orçamento da União Europeia. Em tempos de taxas de juros negativas
e de escassez dos recursos públicos, é uma saída inteligente. As garantias
ajudam a mitigar os riscos associados a financiamentos de projetos com
potencial para elevar as taxas de crescimento econômico. Assim, recupera-se a
confiança e são estimulados os investimentos, cuja míngua aprofundou a crise
por lá.
Para ter claro, o fundo europeu apoia investimentos
estratégicos nas áreas de infraestrutura, eficiência energética, agricultura,
educação, saúde e microempresas. O fundo já pôs à disposição ¤ 21 bilhões
somente para garantir projetos de infraestrutura. Destes, ¤ 16 bilhões vieram
do orçamento europeu e ¤ 5 bilhões, do Banco Europeu. Esses recursos foram
suficientes para garantir investimentos privados no valor de ¤ 315 bilhões. Até
o mais liberal dos economistas vai defender a ideia de que projetos com
externalidades positivas elevadas devem ser apoiados com dinheiro público. A
dose faz o veneno.
Aqui, como lá, também cabem medidas dessa natureza. Mas as
ações recentemente anunciadas pelo governo parecem seguir rumo diferente. A PEC
dos fundos públicos pretende reduzir a zero o funding público para
investimentos, propondo até mesmo o fim de fundos que oferecem garantias nas
operações de financiamento às exportações. Os problemas que existem nas
vinculações, nos fundos e nas despesas obrigatórias precisam ser discutidos com
clareza e cautela. A rigidez orçamentária é elevada, mas não será desfeita
facilmente.
A proposta do governo é genérica, mas tem erros.
Compreenda-se o contexto em que surgiu. O Orçamento enviado pelo governo ao
Congresso contém apenas R$ 19 bilhões de investimentos para 2020. É o menor
patamar da História recente, reflexo do avanço dos gastos obrigatórios e da
queda de receitas. Sem crescimento econômico e controle adequado da despesa
pública, segue-se à espera do ajuste fiscal para valer.
Uma radiografia dos gastos obrigatórios revela que 93%
correspondem a gastos sociais e folha de pessoal – 69% e 24%, respectivamente.
Metade das despesas com servidores refere-se a aposentadorias, que não podem ser
reduzidas. Dos que estão na ativa, boa parte atua em áreas sensíveis, como
defesa nacional, segurança, educação e saúde. Por isso a contenção do gasto com
pessoal precisa ser feita a partir de um diagnóstico adequado e minucioso do
serviço público. É necessário um rearranjo profundo das despesas obrigatórias.
Enquanto isso não é feito, os recursos para investimentos
públicos ou para ofertar garantias em investimentos privados de alto risco
diminuem dramaticamente. Acabar com todos os fundos públicos numa canetada
aceleraria esse processo de desmonte do Estado brasileiro. A crença é que o
mercado poderia, sozinho, resolver a questão do financiamento do
desenvolvimento econômico nacional. Infelizmente, não pode.
A escassez de recursos públicos é um dado da realidade. O
ajuste fiscal é necessário e precisa ser endereçado, mas não a qualquer preço.
A solução passa por adotar uma estratégia de contenção de despesas com base em
revisões periódicas dos gastos públicos (spending reviews, em inglês), como já
foi proposto em projeto de lei aprovado no Senado em 2017. A partir da
elaboração de cenários econômicos e fiscais, calcularíamos o espaço
orçamentário prospectivo e decidiríamos como distribuí-lo entre as diferentes
prioridades do País. O futuro seria menos turvo. A alocação de dinheiro
público, mais racional.
O ajuste fiscal linear, quase sem pensar, é temerário. As
ineficiências existentes no processo orçamentário e na distribuição de recursos
públicos precisam ser digeridas primeiro, para depois serem devidamente
enfrentadas. Não é tarefa para resolver com propostas apressadas de alterações
constitucionais. Menos ainda quando desacompanhadas de diagnóstico detalhado.
Acabar com todos os fundos públicos – até mesmo os que funcionam bem – seria
como botar fogo na casa para assar o leitão.
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