quinta-feira, 28 de novembro de 2019

CMN TABELA JUROS DISTRIBUI A CONTA

Miriam Leitão, O GLOBO
Os juros do cheque especial serão tabelados, por um governo liberal, e a conta será passada a todos os clientes. Com essa ideia de cobrar de todos os correntistas que tenham limite no cheque especial, e ao mesmo tempo estabelecer um limite máximo de juros que podem ser cobrados, o governo consegue atacar a ideologia que diz defender, e também preservar, e talvez aumentar, os lucros dos bancos.
Apenas uma parcela dos clientes usa o cheque especial. A maioria mantém limites mas evita usar exatamente pelas taxas proibitivas. Há um grupo de alta renda que tem limites elevados propostos pelos próprios bancos. A ideia agora é que, como os bancos dizem ter um custo para garantir esse limite aos correntistas, todos passarão a pagar mais uma tarifa aos bancos.
— O mercado ficou doidinho, o governo liberal tabelando juros de cheque especial. Imagina se isso fosse feito no governo Dilma? — disse um economista de banco.
Isso derruba numa tacada os juros do cheque especial à metade, mas as taxas ainda assim permanecem altíssimas, afinal o limite é 150% ao ano num tempo em que a Selic está em 5%, e a inflação, em 3%. A decisão foi tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que hoje se resume a três pessoas, o ministro Paulo Guedes, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues.
Os três se reuniram e decidiram que o máximo que os bancos podem cobrar de juros será 8% ao mês. Em contrapartida, poderão cobrar de todos os clientes uma tarifa de 0,25% sobre o valor do crédito que estiver disponível no cheque especial e que exceder R$ 500. Ou seja, se o correntista tiver um limite de R$ 10 mil, pagará a tarifa sobre R$ 9.500, algo em torno de R$ 23,75 ao mês, mesmo que não utilize essa linha de crédito. Os clientes poderão ir aos bancos e solicitar a redução do limite para R$ 500, e assim ficar livre da tarifa. O Banco Central defendeu a medida, dizendo que esse tipo de limite nos juros está presente em “regulamentação de economias avançadas e emergentes”.
O governo está também numa situação complicada com o câmbio. Houve problemas locais que influenciaram na alta do dólar, do patamar de R$ 3,70 para o de R$ 4,20 em apenas quatro meses.
Ontem, no mercado, se dizia que o dólar está “desancorado” depois da fala do ministro Paulo Guedes em Nova York. Há três dias o dólar sobe e bate recordes com o mercado testando os limites. Qualquer declaração de ministro da Economia prevendo alta do câmbio eleva o dólar. Foi isso que se viu nos últimos dois dias. O Banco Central teve que intervir duas vezes na terça-feira e mais uma vez ontem.
O ministro Guedes acabou fazendo um strike na sua entrevista em Nova York. Em uma única coletiva, provocou uma onda de repúdio na política, pela sua declaração sobre AI-5, alimentou a interpretação no exterior de que a América do Sul é uma só, e que a convulsão das ruas chilenas está para se repetir no país, e provocou volatilidade no mercado cambial com sua declaração sobre o valor do dólar.
A decisão de tabelar os juros do empréstimo de emergência não vai resolver o problema do superpreço dessa linha de crédito. Por outro lado, a alta do câmbio afetará o orçamento das famílias. O Banco Central tem um volume alto de reservas para enfrentar esse estresse com o mercado. O problema é o reflexo nos preços de alguns produtos que têm mais visibilidade.
Haverá agora uma dissonância entre o que os economistas dizem a partir dos seus indicadores e o que as empresas e famílias sentem. Quando há alta do dólar e, depois, um período de volatilidade, a percepção de inflação é mais forte. Alguns preços de referência são impactados imediatamente, como os combustíveis. Ontem mesmo a gasolina subiu 4%. A alta do dólar afeta também medicamentos, um grupo muito sensível no orçamento das famílias. Nos índices, contudo, está tudo bem, e a inflação está abaixo da meta.
O problema é que a economia não é apenas uma lista de gráficos e indicadores e de tendências na margem. É também a expectativa dos agentes econômicos e dos investidores, e o sentimento dos consumidores. A alta de preços como os combustíveis passa a sensação de desconforto e de inflação subindo, ainda que ela esteja abaixo da meta.
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