quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O PAPAGAIO DO MINISTRO

Editorial Folha de S.Paulo
O episódio, tragicômico, soa como uma demonstração caricatural de subdesenvolvimento. Patrimonialismo, casuísmo e atropelo da legislação se misturam em recente despacho do comando do Ibama que versa sobre guarda doméstica de aves da família dos psitacídeos.
No afã de regularizar a situação de um papagaio pertencente ao ministro Geraldo Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o presidente do Ibama, Eduardo Bim, orientou os fiscais do órgão ambiental a adotar procedimentos que ignoram a lei 9.605, de 1998.
Esta estabelece que animais silvestres em cativeiro só podem ter origem em criadouros autorizados —todo o restante é, a princípio, contrabando de fauna nativa. 
Em despacho na quarta-feira (20), Bim determinou que, no caso de psitacídeos, a posse ficará com os detentores desde que se comprove a posse do animal há ao menos oito anos e que não haja sinais de maus-tratos.
Em argumentação tortuosa, o presidente do Ibama disse que, assim, estenderá a todos o direito à posse concedido, no mesmo despacho, à família de Og Fernandes.
A nova orientação contradiz manifestação da Diretoria de Proteção Ambiental, que recomendou a apreensão do animal e a comunicação de crime ao Ministério Público, além de uma sindicância sobre por que o escritório do Ibama no Recife concedeu posse e uma anilha provisória, registrada sob o simbólico número 0001.
Como se não bastasse, o presidente do Ibama se defendeu citando como jurisprudência um voto do próprio Og Fernandes, que decidiu contra o órgão ambiental em dois processos no STJ sobre a guarda doméstica de papagaios.
Não é a primeira vez que o governo Jair Bolsonaro age para acomodar interesses não republicanos que terminam incentivando o crime ambiental. Basta citar a exoneração do fiscal do Ibama que multou em 2012 o hoje presidente da República por pesca irregular.
No caso dos psitacídeos, o despacho intempestivo de Bim representa, na prática, uma anistia injustificada a infratores ambientais. Ademais, fragiliza e aumenta os riscos para no mínimo 17 espécies ameaçadas de extinção no Brasil, como a simbólica arara-azul-de-lear, da caatinga. 
Tudo somado, repete-se o vício patrimonialista de misturar interesses privados a políticas públicas. Desta vez, à custa dos inteligentes e falantes papagaios.
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