Em dezembro de 1968, Paulo Guedes morava em Belo Horizonte,
onde cursava economia na UFMG. Era um estudante avesso à política e bom de
bola, segundo perfil traçado
por seus colegas ao jornal Estado de Minas.
O Guedes de 2019, pelo que vai se percebendo agora, adoraria
que o Guedes de 1968 estivesse não nas alterosas e sim nas Laranjeiras,
espiando 17 engravatados cometerem um ato de bestialidade.
Seu fetiche com o AI-5 seria bizarro mesmo se fosse possível
observá-lo sem a lente moral.
O ministro usa como pretexto uma
disputa nas ruas que até aqui inexiste. A reforma da Previdência que ele
articulou mudou a vida de muita gente sem que seus opositores conseguissem se
fazer notar. Lula, o homem que tira o sono de Guedes, era também a estrela de
um evento que o PT queria armar na praça da República, em São Paulo. Um comício
que se desmanchou supostamente por causa de uma tempestade que nem chegou a
ocorrer.
A sensibilidade política do superministro arrepia. O AI-5
fechou o mesmo Congresso para o qual sua equipe acaba de mandar um pacote de
medidas importantes e de aprovação custosa.
O Guedes de 1968 se chamava Delfim Netto. “Naquele instante,
com o que se conhecia do mundo”, Delfim diz que assinaria o
AI-5 novamente. Tinham lhe prometido eleições, explica. Examinados seus
argumentos com uma lente de aumento moral, acaba-se por enxergar o óbvio com
nitidez. “Dou risada quando dizem que eram democratas naquela época. Não tinha
um sujeito que era democrata”, afirmou ele ao Valor.
Como se sabe, cada cabeça carrega sua própria sentença.
Guedes, ao contrário de Delfim, faz parte de um governo que foi eleito
democraticamente. Tal como Delfim dizia estar, Guedes poderia se afirmar sempre
à espera de democracia. Prefere, porém, falar sobre AI-5. Em vez de se assanhar
com fantasmas, faria bem em espiar um livro de história.
Roberto Dias
Secretário de Redação da Folha.
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