“Eu creio que a revolução veio não apenas para restabelecer
a moralidade administrativa neste país, mas, principalmente, para criar as
condições que permitissem uma modificação de estruturas que facilitassem o
desenvolvimento econômico. Este é realmente o objetivo básico.”
Assim o então ministro da fazenda, Antonio Delfim Neto,
justificava seu voto a favor do AI-5, a mais arbitrária medida promovida pela
ditadura militar no Brasil, que calou o congresso, a imprensa, as artes, a
justiça e promoveu violações em série aos direitos humanos.
Esta semana o ministro Paulo Guedes voltou no tempo. Para o
ministro, ninguém deve se surpreender caso a resposta a eventuais manifestações
contrárias ao governo seja a defesa de um novo AI-5.
Algo inaceitável em uma democracia, a defesa da restrição de
direitos e a apologia à ditadura estão aos poucos se transformando em prática
corriqueira na esplanada.
Assim como o bate-boca em redes sociais, com direito ao uso
de expressões chulas que ferem a dignidade do cargo, como seguidas vezes age
nosso ministro da educação. “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos
os escrúpulos de consciência”, disse o então ministro Jarbas Passarinho, na
fatídica sessão que aprovou o AI-5.
Todo o barulho desses 11 meses de gestão opera em dois
campos, o simbólico e o real. No campo simbólico trata-se de atacar diariamente
as instituições democráticas como o Congresso, a Justiça e a própria
Constituição.
A educação pública é vista como um espaço de doutrinação e
destruição dos valores da família brasileira. A preservação da Amazônia como um
mero discurso de ONGs internacionais, que cobiçam sua riqueza natural.
Defende-se a liberação de armas de fogo e a possibilidade
dos proprietários de terras reagirem a bala em caso de invasão de propriedade.
A lista é longa. Contribui para corroer ainda mais a
confiança nas instituições democráticas e a ideologizar questões que não são
“de direita” ou “esquerda”, como é o caso da defesa de uma escola pública
laica, do uso sustentável dos nossos recursos naturais, de políticas de
segurança baseadas em evidências consagradas, como a de que armar a população
só aumenta a violência.
O discurso também estabelece um estado de fricção permanente,
que permite ao governo controlar a narrativa, estabelecendo o campo do jogo
político e da comunicação.
Ao mesmo tempo coloca uma névoa sobre a adoção de políticas
extremamente impopulares em um país como o Brasil, como taxar desempregados,
reduzir investimentos em educação pública e na rede de proteção social.
No caso da educação, opera-se um desmonte dos mecanismos de
financiamento. De um lado o governo mostra desinteresse na tramitação do
Fundeb, o principal fundo público de financiamento à educação, que vence no fim
do ano que vem. De outro propôs a junção entre os mínimos constitucionais de
saúde e educação e a inclusão da folha de aposentados no orçamento da educação.
Além da questão política —os investimentos em saúde, em
geral, têm mais retorno político que os da educação— a saúde é uma área
com custos crescentes, muitas vezes descolados da inflação. Mesmo que a
ampliação dos gastos com saúde não se dê reduzindo os investimentos em
educação, as demais medidas propostas, se aprovadas, contribuirão para sua
redução.
Tomemos como exemplo o orçamento executado da cidade de São
Paulo em 2018. O valor livre para investimentos e manutenção da rede de ensino
foi de R$ 1.9 bilhões. O total de gastos com servidores aposentados foi de R$
3.6 bilhões naquele ano.
Caso a cidade de São Paulo seguisse as regras propostas,
teria que deixar de comprar material didático, reformar escolas, servir merenda
escolar, transportar alunos, reduzir o número de crianças matriculadas em
creche ou o número de alunos das demais etapas de ensino.
Pela primeira vez o país tem um governo que professa a fé no
estado mínimo. Defender mais ou menos participação do estado na economia faz
parte do jogo democrático. O que é inaceitável é flertar com o autoritarismo e
com a página mais infeliz de nossa história.
Em uma democracia, o perigo não é a revolta, mas o silêncio.
Alexandre Schneider
Pesquisador visitante da Universidade Columbia em Nova York,
pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP,
consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.
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