Estimulado por um governo que despreza a riqueza
biológica e humana da região
amazônica, o Brasil se viu envolto em um
número recorde de incêndios nos últimos
meses. Embora dramática, a destruição promovida pelo governo
Jair Bolsonaro vai
muito além da floresta —é o pais que arde como um todo.
A crescente erosão da democracia brasileira
preocupa acadêmicos e ativistas no mundo todo, que vem se
organizando para apoiar os que defendem os valores democráticos no país.
O Brasil sempre suscitou interesse em estudiosos dos EUA,
especialmente a partir dos anos 1960, quando era tido como chave para os rumos
que a América Latina poderia assumir. Consolidando sua
relevância, seu promissor processo de redemocratização nos anos
1980 e, desde então, suas políticas de inclusão social
promovidas por distintos governos, o Brasil foi alvo de intenso
interesse na academia norte-americana. Mais recentemente, era
objeto de simpatia e mesmo admiração ao redor do mundo dada a promessa de uma
nova potência que emergia por meio de uma política externa pacifista e
cooperativa. Hoje, contudo, estudiosos do mundo veem com espanto e
preocupação o que ocorre no país que tanto apreciam.
O desprezo pela institucionalidade democrática
no Brasil começa quando grupos de oposição derrotados na eleição
presidencial de 2014 se recusaram a aceitar as regras do jogo e passam a
articular um processo de
impeachment casuístico, que tragicamente encontrou amparo nos
meios de comunicação e no sistema judiciário, um dos mais elitistas
do mundo.
Aprofundando o processo, o país presenciou em 2018 a
ascensão de um movimento de cunho neofascista que, ao chegar ao poder,
promove cortes orçamentais destinados aos programas sociais, toma direitos
trabalhistas e garantias de seguro social contrárias aos interesses nacionais
e dissemina uma narrativa que entende direitos humanos como desnecessários
e perigosos, criminalizando assim os movimentos sociais e todos que
defendem a pauta dos direitos humanos e das minorias.
Tais medidas são amparadas em uma retórica antissocial
e anti-humanista vista por seus apoiadores como uma "nova
política" —que de nova não tem nada, já que reestabelece um
estado de natureza pré-político onde o que vale é a lei do mais forte.
Exemplos concretos do efeito perverso dessa lógica
—o assassinato à queima-roupa da vereadora
Marielle Franco por grupos milicianos próximos
ao clã Bolsonaro e as ameaças de morte sofridas pelo ex-deputado
e ativista dos direitos humanos Jean
Wyllys, que o forçaram não só a renunciar ao mandato como a se
exilar— revelam bem a erosão dos valores e da cultura
democrática tão duramente construídos no Brasil ao longo das
últimas décadas.
Mobilizando-se como estudiosos e amigos do Brasil,
acadêmicos e ativistas norte-americanos têm se colocado ao lado dos que
defendem a pauta de inclusão política, social e cultural no pais. Parte desse
grupo, o Comitê de Justiça e Paz da cidade de Denver (EUA), uma organização não
governamental que defende a agenda de direitos humanos há mais de 40
anos, outorgou em outubro passado o Prêmio Internacional de Direitos
Humanos ao ex-deputado Jean Wyllys pela sua continuada defesa
pelos direitos humanos e sociais no Brasil.
Os recentes eventos no Brasil parecem fazer parte de um
processo mais amplo que, como acadêmicos, trabalhamos para entender.
Complementando nosso trabalho intelectual, afirmamos nosso desejo de que, em
vez dos incêndios e da dor sofrida pelos que promovem a agenda de
direitos no Brasil, seja a exuberância da sua cultura e do que resta da
sua ameaçada democracia o que venha a brilhar nos
céus e no coração da sociedade brasileira.
Rafael R. Ioris e Aaron Schneider
Professores de história e política latino-americanas e
membros do Centro de Estudos Latino-Americanos da Josef Korbel School of
International Studies, da Universidade de Denver (EUA)
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