Em janeiro de 2019, a América Latina parecia outro planeta.
Mauricio Macri prometia zerar o déficit primário e retomar o
crescimento argentino, com donos do dinheiro a apostar na sua reeleição. Veio
Alberto Fernández.
Juan Guaidó virou “presidente interino” da Venezuela e
proclamou que “o tempo de Maduro (estava) se esgotando”. Hoje, nem a oposição
venezuelana acredita que a queda do ditador é iminente.
O FMI projetava um crescimento de 2,5% do Brasil, e Paulo
Guedes falava em “3,5% no curto prazo”. Com reforma da Previdência e tudo, deu
menos da metade da projeção do fundo.
A lista continua: Equador em convulsão, Evo Morales em fuga,
Chile nas ruas rumo a uma nova Constituição, protestos na Colômbia. As bolas de
cristal dos analistas —as quais, diga-se, nunca funcionaram muito bem—
trincaram de vez.
Melhor, então, olhar adiante de outra forma. Em vez de
projeções ambiciosas (e provavelmente erradas), podemos pensar em quatro
perguntas para guiar interessados na nossa região.
1) Como a “segunda década perdida” continuará a se traduzir
em instabilidade política?
À raiz da turbulência regional, está o fracasso econômico.
Segundo a Cepal, o período 2014-2020 será o de menor crescimento da América
Latina em 70 anos. O PIB per capita latino-americano caiu 4% em seis anos. Do
México à Patagônia, a ideia de que inevitavelmente nos tornaríamos sociedades
de classe média perdeu força.
Hoje, prevalece a percepção oposta —um
nada-realmente-mudou-e-nunca-mudará—, com consequências políticas extremas:
ondas de protesto, colapso do establishment político, ascensão de outsiders.
Esse ciclo não terminou e continuará a definir a evolução
política na região em 2020.
2) O que virá nas eleições de 2020?
Não faltarão oportunidades para o mal-estar político se
manifestar por meio do voto. Em janeiro, o Peru elegerá um Congresso para
substituir a legislatura que o presidente Martín Vizcarra destituíra. Em março
ou abril, a Bolívia refará suas eleições presidenciais, com um risco real de o
resultado ser novamente contestado.
Chilenos terão um plebiscito constitucional e, a depender do
resultado, escolherão uma assembleia constituinte em outubro. No mesmo mês,
brasileiros terão eleições municipais —descobriremos se o bolsonarismo, com sua
Aliança pelo Brasil, criará raízes no nível local. Se Maduro inviabilizar as
eleições legislativas venezuelanas, marcadas para dezembro, Guaidó cairá num
limbo político-jurídico (seu mandato termina no mês seguinte).
Mas a mais importante eleição para o futuro da região é a
dos EUA, onde estão em jogo visões radicalmente distintas sobre o papel dos EUA
no mundo.
3) O Brasil seguirá na trilha do isolamento internacional?
Imagine o seguinte cenário: a crise na Amazônia se
intensifica, com investidores afugentados, uma campanha internacional de
boicote e europeus discutindo sanções ao Brasil. Cresce a hostilidade entre
Bolsonaro e Fernández, com graves consequências ao Mercosul. Derrotado, Trump dá
lugar a um democrata progressista.
Existe um caminho claro que levará o Brasil ao isolamento.
Trilhá-lo será uma escolha do governo, a depender, sobretudo, do poder que terá
a ala “antiglobalista” daqui para frente.
4) Como o jogo geopolítico global afetará a região?
O ano terminou com o pré-acordo comercial entre Pequim e
Washington, cujas quotas podem custar caro a economias latino-americanas (algo
como US$ 10 bilhões ao Brasil, segundo o Insper).
Mas o confronto EUA-China se ampliou a duas outras frentes,
além do comércio. A primeira é a tecnológica, sobretudo no campo do 5G. O
Brasil considera postergar seu leilão, mas eventualmente terá de se decidir
sobre a participação da China. A segunda é a financeira. Sanções contra
chineses, ou restrições à plataforma Swift de comunicação interbancária,
arriscarão balcanizar o sistema financeiro.
As três disputas definirão o desenvolvimento
latino-americano na nova economia global.
Essa lista está longe de ser exaustiva —é apenas um começo.
O mais importante: com menos certezas preconcebidas, será mais fácil entender
uma América Latina em rápida transformação.
*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of
the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em
relações internacionais pela Unesp.
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