O presidente Bolsonaro estava uma pilha na sexta-feira. Foi
ainda mais agressivo do que o costumeiro no ataque aos repórteres que ficam na
porta do Palácio. Era fácil saber o motivo do nervosismo. Seu filho Flávio está
com uma montanha de explicações a dar sobre o que se passava no seu gabinete
quando era deputado estadual, nos seus negócios com imóveis e no funcionamento
da sua loja de chocolates. A bandeira de que faria um governo de combate à
corrupção sempre foi postiça, mas fica mais difícil empunhá-la quanto mais
detalhes vêm à tona sobre a estranha movimentação bancária de Fabrício Queiroz
e a maneira como o senador conduzia seu gabinete de político e seus
empreendimentos.
A defesa de Flávio Bolsonaro se agarrou mais uma vez à mesma
estratégia de pedir para paralisar a investigação. O que o Ministério Público
do Rio de Janeiro levantou até agora exigirá muitos esclarecimentos por parte
do senador. Melhor fazê-los do que atacar o juiz como fez o presidente. Se
Bolsonaro perguntar ao seu ministro da Justiça, Sergio Moro poderá contar das
vezes em que foi atacado por suas decisões na 13ª Vara Federal de Curitiba. É
tudo muito parecido com o que agora Bolsonaro diz de Flávio Itabaiana da 27ª
Vara Criminal do Rio.
Dezenas de funcionários do gabinete do então deputado não
compareciam ao local de trabalho, nunca pediram crachá, recebiam seus salários
dos cofres públicos e faziam depósitos rotineiros na conta de Fabrício Queiroz.
Havia de tudo: personal trainer que tinha emprego no outro lado da cidade,
estudante de veterinária que estudava a quilômetros do Rio, cabeleireira com
trabalho fixo. Difícil é saber quem de fato trabalhava naquele gabinete.
Nesta lista dos servidores de Flávio estavam a ex-mulher e a
mãe do PM Adriano da Nóbrega, acusado de fazer parte de um grupo de milicianos.
O mesmo Adriano foi duas vezes homenageado na Alerj, a pedido do deputado
Bolsonaro, uma vez com a Medalha Tiradentes, quando ele já tinha sido preso por
homicídio. Adriano, em conversa com a ex-mulher Danielle Mendonça, admite que
era beneficiário de parte do dinheiro que ela recebia. “Contava com o que vinha
do seu também.” A própria Danielle informa em conversa com a amiga que sabia da
origem ilícita do dinheiro que por anos recebeu. Aliás, as mensagens trocadas entre
ela e Queiroz iluminam o esquema. Ele avisa que ela talvez tenha que ser
exonerada — do local onde nunca trabalhou na verdade — para não comprometer
Flávio que ficará mais exposto com a eleição.
Dez pessoas da família da ex-mulher do presidente Bolsonaro
recebiam salário da Alerj e moravam em Resende. A explicação de Flávio era de
que se tratava de um escritório político do interior. Todos numa única cidade,
todos parentes entre si e ligados a um dos casamentos do pai. A explicação não
é crível.
Há ainda fatos estranhos na compra e venda de imóveis em
Copacabana. O vendedor Glenn Dillard entrega os imóveis por um valor mais baixo
do que havia comprado e recebe no mesmo dia os cheques de Flávio Bolsonano no
suposto valor dos imóveis e R$ 638 mil em espécie, numa mesma agência a metros
da Alerj. Os imóveis são revendidos pouco mais de um ano depois com valorização
de 293% e 237%. No mesmo período, o metro quadrado em Copacabana subiu 11%. Há
ainda várias confusões contábeis na loja de chocolates. E um cheque de R$ 16
mil de um outro PM depositado na conta da mulher de Flávio.
O caso ainda é o desdobramento de um Procedimento
Investigatório Criminal, mas já tem muitas pontas enroladas. A reação do
presidente de atacar o juiz, os procuradores, os jornalistas é típico de quem
está perdendo a razão.
A popularidade do presidente chega ao fim do ano confirmando
ser a mais baixa de um governo no seu primeiro ano de mandato. Só se compara a
de Collor, que fez o sequestro dos ativos financeiros das famílias e empresas
do país. Seu discurso de combate à corrupção foi atingido pelos laranjais do
ministro do Turismo que ele nunca demitiu, pelas irregularidades do partido com
o qual se elegeu e do qual saiu, mas principalmente por sombras que cercam seu
filho nessa investigação. Quem acompanhou a vida política de Bolsonaro sabe que
o discurso da moralidade pública que usou nos palanques foi apenas o que foi:
uma estratégia eleitoral.
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