segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A CAMINHO DA IRRELEVÂNCIA

Ricardo Noblat, VEJA
Pode ser normal um chefe de Estado estar perto de completar um ano no cargo sem ter-se empenhado em montar uma base de apoio no Congresso? E tendo abandonado o partido pelo qual se elegeu e ajudou a eleger 52 deputados federais e quatro senadores?
Parece normal a maioria das coisas que ele faz como, por exemplo, suspender a fiscalização com radares móveis nas rodovias federais, o que reduziu a aplicação de multas e aumentou de agosto para cá o número de mortos e de feridos em acidentes?
E culpar ONGs e até um famoso ator de cinema por incêndios na Amazônia é comportamento que possa ser considerado normal em um presidente da República? É verdade que ao se eleger ele disse que não havia nascido para ser político, mas sim militar.
Mas nenhum dos militares empregados por ele no seu governo – e já são mais de mil – saiu a público para avalizar uma única dessas medidas. Você pode ter ouvido militares defenderem, como o faz Bolsonaro, a ditadura de 64. Sobre torturas, calam-se. Ele, não.
Não foi um militar fardado ou de terno que acenou com um novo Ato Institucional nº 5 caso houvesse manifestações de ruas que degenerassem em violência. Foi um dos filhos de Bolsonaro que acenou, e em seguida o poderoso ministro da Economia.
Como candidato, Bolsonaro disse que o PT deu preferência aos seus militantes ao escalar os ocupantes de cargos públicos. Esqueceu-se de dizer também que o PT compartilhou o poder com outros partidos, o que nem sempre foi bom, nem sempre foi mal.
E o que ele tem feito? Aparelha a máquina do Estado com os devotos que julga mais leais, os que pensam como ele e estão dispostos a obedecer às suas ordens sem discutir. Se um deles cai em desgraça junto a um dos seus filhos, despacha-o.
Daí a mediocridade, marca de sua equipe. Daí o troca-troca de auxiliares com ou sem razão. Nem político, nem militar. Bolsonaro não nasceu para nenhuma dessas coisas. Foi expulso do Exército por indisciplina. Foi político estridente do baixo clero.
Se como deputado federal por 27 anos tivesse aprendido algo, saberia que não basta a um presidente remeter ao Congresso medidas e projetos que imagine necessários para o êxito do seu governo. Há que debater o que propõe e negociar sua aprovação.
Lavar as mãos significa falta de compromisso com suas próprias ideias. Ou pior: caracteriza uma postura de quem desejaria que o Congresso se limitasse a referendar o que ele lhe manda. É por isso que tem colhido ali tantas derrotas, e seguirá sendo assim.
Seu governo, que mal começou, corre o risco de tornar-se irrelevante, ou apenas uma usina que produz barulho. Normal, não é, embora continue sendo tratado como se fosse pelos interessados nas reformas econômicas que por ora esfriaram.
É o que ainda o sustenta. Mas até quando?
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