Fiel à promessa de liberalizar a posse e o porte de armas de
fogo, o presidente Jair Bolsonaro empenha-se em tentativas de afrouxar normas
prudenciais que regem a matéria. Mesmo tolhido pelo Congresso, começa a colher
os primeiros resultados —que suscitam inquietação, embora não se veja
propriamente motivo para alarme.
Apenas nos 11 primeiros meses de 2019, os registros
para a posse elevaram-se em 48% na comparação com o ano anterior
completo. Em 2018, foram 47,6 mil inscrições; no ano que se encerra,
contavam-se 70,8 mil até novembro.
Com isso, havia em outubro 1.013.139 de registros ativos no
Brasil, segundo a Polícia Federal. A cifra, que não chega a ser expressiva
diante da população nacional, não inclui armas de caçadores, atiradores e
colecionadores, controladas pelo Exército, que recebeu neste ano 65 mil
pedidos, incremento de 8% sobre 2018.
Até quem não comunga do entusiasmo infantil dos filhos do
presidente com os artefatos letais poderia enxergar aí algum progresso, se a alta
dos registros correspondesse a um processo de legalização.
Seria preciso uma dose excessiva de otimismo, porém, para
concluir que a proliferação de armas registradas representa uma diminuição de
congêneres clandestinas.
Cabe prever, antes, o contrário: a partir de agora há risco
de expansão da quantidade de armas ilegais em circulação. Isso porque, dentre
as que terminam recolhidas pela polícia, 53% haviam sido furtadas ou roubadas
de casas e lojas.
Preocupa, ainda, que o governo tenha ampliado o número
de balas e cartuchos que cada colecionador, atirador ou caçador pode comprar por
ano —1.000 no caso de calibres restritos e 5.000 nos demais.
Dada a precariedade do controle de munições pelo poder
público, imagine-se quantos desses projéteis terminarão no comércio ilegal.
Some-se a isso a facilitação das regras de transporte de
armas e a permissão para utilizá-las em toda a extensão de propriedades rurais,
coisas que alguns especialistas equiparam a uma generalização disfarçada do
porte, antes prerrogativa de raras categorias profissionais sujeitas a risco.
Verdade que a taxa de homicídios no país esteve em declínio
acentuado neste ano, ao mesmo tempo em que se multiplicavam as armas guardadas
por cidadãos. Nenhum estudioso sério de segurança pública, entretanto,
vincularia diretamente uma coisa à outra.
A interpretação de dados, particularmente nesse tema,
costuma estar contaminada por preferências ideológicas. Mas há evidências
sólidas de que o maior acesso a revólveres, pistolas e outros artefatos eleva
o risco
de homicídios não justificáveis, acidentes e suicídios.
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