No dia 26 de junho, um falso portal de notícias publicou uma
falsa entrevista do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), onde ele atacava
o governo e o presidente Jair Bolsonaro com frases grosseiras e ofensivas.
Foi uma operação sofisticada, muito além do mero
impulsionamento de notícias falsas. Antes de publicar o conteúdo fraudado, o
portal fantasma (www.portal79.news) funcionou durante um mês, com o mesmo
logotipo e reproduzindo integralmente matérias do site original, o Portal 79
(www.portal79.com.br), a fim de imprimir credibilidade ao material.
Entretanto técnicos do site verdadeiro haviam detectado a
clonagem desde o início e acompanharam diariamente os desdobramentos da fraude.
Quando a entrevista falsa foi ao ar, o diretor de redação do Portal 79, Higor
Trindade, acionou o senador. Foi instaurado inquérito na Polícia Federal. A
investigação corre em sigilo, mas os investigadores já descobriram que a página
fantasma que saiu do ar estava hospedada na Romênia.
Alessandro Vieira diz que o objetivo da fraude era criar
desconforto entre ele e o governo e setores da direita. Ele se declara “crítico
ao governo”, mas jamais daria as declarações de baixo calão que lhe foram
atribuídas.
Único sub-relator da CPMI das ‘Fake News’, Vieira é vítima
recorrente de notícias falsas, com que o torpedearam durante a campanha. Uma
entrevista que ele efetivamente concedeu a uma rádio sobre a união civil
homoafetiva foi editada, distorcida e divulgada em grupos de WhatsApp da
comunidade evangélica para que ele perdesse apoio do eleitorado conservador.
Antes de se eleger, Vieira foi delegado da Polícia Civil na
área de combate aos crimes cibernéticos e vai aplicar a experiência na
investigação do esquema de produção e disseminação de conteúdo falso em
atividade no Brasil.
O senador admite que a CPMI – que funcionará até abril de
2020 – atravessou até agora um “período de espuma”, com muito barulho e pouco
conteúdo, mas ressalta que a investigação entrará em uma fase concreta de
apuração.
Ele recebeu informações de que a deputada Joice Hasselmann
(PSL-SP), que será ouvida amanhã, apresentará laudos periciais atestando que o
vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) atuou na campanha presidencial do então
candidato Jair Bolsonaro disseminando conteúdo falso. A oposição já apresentou
requerimentos de convocação de Carlos, que ainda aguardam votação.
Um foco de investigação de Vieira é o aplicativo de
conversas. “A rede principal de disseminação de ‘fake news’ foi o WhatsApp, que
tem condições de informar de onde partiram as principais ondas”, adianta o
senador.
O sub-relator tem informação de que verdadeiras centrais de
montagens de ‘fake news’ atuaram na campanha presidencial, com um banco de
dados de mais de 40 milhões de brasileiros, e o desafio é comprovar esse fato
nos autos da investigação.
“São operações estruturadas porque hoje é possível acesso a
um volume imenso de dados pessoais, a partir dos quais se criam campanhas micro
direcionadas a grupos específicos, tentando criar identificação política”.
O senador assegura que as informações são rastreáveis porque
é possível identificar tecnicamente a primeira postagem de um vídeo ou de uma
foto que viralizou nas redes. “Cada arquivo digital tem uma assinatura própria,
o hash. A partir daí se pode estabelecer se a disseminação é comportamento humano
ou de robô”, complementou.
Um dos pontos de seu relatório será a defesa do fim do
anonimato nas redes porque a barreira para rastrear a origem das ‘fake news’ é
a criptografia. “Não tenho como apurar nada porque só consigo chegar a um
pacote de dados criptografados. O conteúdo falso é protegido pela criptografia
que o WhatsApp usa de ponta a ponta. Apesar da discussão sobre a privacidade,
não se pode ter anonimato total no Brasil”, sustenta.
Vieira quer aprimorar a legislação brasileira para que se
permita aos juízes ordenar a quebra do anonimato nas redes, enfrentando a
oposição das grandes corporações – Instagram, Facebook, Twitter e WhatsApp.
“O debate continua sendo: posso ter comunicação sigilosa
entre pessoas, que mesmo com uma ordem judicial não possa acessar?”, questiona.
“É respeitável quem acha que sim, mas eu defendo que não. Só com a quebra do
anonimato pela Justiça será possível chegarmos em quem financiou e onde
começou”.
Vieira reconhece que está na natureza da internet a
circulação de boatos, “pegadinhas”, mas com conotação despretensiosa. Segundo
ele, o que ocorre agora é a manipulação desses “boatos” como arma de guerra
cibernética. “É uma realidade mundial a manipulação de dados pra fins
eleitorais”.
Ele rechaça a acusação dos bolsonaristas de que o objetivo
da CPMI é anular a eleição de 2018. “Essa discussão está no TSE [Tribunal
Superior Eleitoral]”. Mas lembra que a disseminação de conteúdo falso na
campanha eleitoral do ano passado está no escopo da CPMI.
“Se você quer ter uma democracia viva, tem que ter
informação verdadeira circulando. As ‘fake news’ são uma ameaça global, não só
brasileira”, critica.
Questionado se a comissão não está enxugando gelo, porque o
consumo de conteúdo falso já estaria enraizado na população pelos aplicativos
de conversa, o senador diz que urge um processo de educação digital da
população brasileira, especialmente dos jovens.
Após a eleição de Donald Trump, cuja campanha sofreu
contaminação de ‘fake news’, aumentou o número de iniciativas americanas de educação
digital da população – ou media literacy. Um exemplo é o MediaWise, projeto
criado para ensinar 1 milhão de adolescentes americanos a identificar notícias
falsas, voltado aos jovens de comunidades de baixa renda.
Vieira compara a atuação da CPMI a um jogo de gato e rato,
porque à medida que a investigação avança, tecnologias mais sofisticadas de
produção e disseminação de ‘fake news’ serão implementadas. “Teremos que tirar
dois coelhos de uma vez da cartola”.
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