Para legalizar papagaio de ministro do STJ, presidente do
Ibama flexibiliza lei ambiental
Para regularizar o papagaio de um ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), o presidente do Ibama, Eduardo Bim, publicou um
despacho que abre caminho para a legalização da guarda doméstica de
psitacídeos. A medida contradiz a lei e deverá dificultar a fiscalização desse
crime ambiental.
O caso começou em setembro de 2008, no Recife, quando
Roberta Marques, mulher do ministro do STJ Geraldo Og Fernandes, solicitou
ao Ibama a posse do papagaio da
família, da espécie nativa Amazonas aestiva. Ela afirmou que
havia ganhado o animal de presente e queria regularizá-lo e levá-lo para
Brasília.
Pela lei 9.605, de 1998, um animal silvestre só pode ser
mantido em cativeiro no Brasil caso a origem seja um criadouro certificado pelo
Ibama. A pena prevista é de seis meses a um ano de prisão. A
regularização do papagaio foi concedida em Pernambuco, mas a Diretoria
de Proteção Ambiental (Dipro) do Ibama contestou a decisão, recomendando a
apreensão do animal e a comunicação de crime ao Ministério Público.
Bim, no entanto, concedeu a posse provisória de 180 dias e
orientou a Dipro a não apreender psitacídeos que estejam em posse doméstica há
pelo menos oito anos e sem sinais de maus-tratos. O despacho foi publicado
nesta quarta-feira (20).
No despacho, Bim justifica a decisão afirmando que “a
requerente informou que o papagaio havia sido objeto de doação de um amigo de
seu pai, juntando dados e fotos do animal silvestre que comprovam que a ave
porta anilha, bem como, mediante laudo particular feito por médico veterinário,
‘goza de boa saúde’.”
Ele afirma que, quanto maior o tempo em cativeiro, mais
difícil se torna reabilitar animais domésticos. Cita também um dado do Ibama
segundo o qual quase a metade dos espécimes apreendidos não é reintroduzida à
natureza.
Sobre a extensão da posse para outros casos, o presidente do
Ibama alega que é “anti-isonômico assegurar direitos apenas à parcela da
população que logra acesso ao Judiciário, deixando à deriva todos os demais
cidadãos que compartilham a mesma situação jurídica por não acessar a via
judicial”.
Bim também proibiu os fiscais do Ibama de aprender e
encaminhar psitacídeos para os Cetas (Centro de Triagem de Animais Silvestres)
caso não se comprovem a posse por menos de oito anos e/ou maus-tratos.
O despacho provocou críticas entre fiscais do Ibama ouvidos
pela reportagem. Além de contrariar a lei em vigor, eles argumentam que a
orientação de verificar a posse por mais de oito anos é muito difícil de ser
colocada em prática. Para esses servidores, o despacho é uma anistia na prática
e irá estimular o tráfico de animais.
Por meio da assessoria de imprensa do STJ, o ministro
Og Fernandes afirmou: "Ao contrário do que diz a matéria publicada, a
decisão do presidente do Ibama seguiu a correta interpretação da lei sobre
animais silvestres 'domesticados' e registrados. A ave em questão é
anilhada e está legalizada desde 2008. A situação divulgada pela Folha chama
a atenção mais para o que parece ser uma crise interna do órgão ambiental, com
os fiscais questionando decisão da direção, absolutamente
legal".
JURISPRUDÊNCIA
Ao citar a jurisprudência, Bim mencionou no despacho um voto
do próprio ministro Og Fernandes em caso semelhante. O processo, com origem na
Paraíba, tinha no centro o papagaio Leozinho, apreendido pelo Ibama.
Em 2017, o ministro do STJ decidiu contra o Ibama e em favor
de Izaura Dantas, descrita nos autos como uma mulher de 75 anos com cardiopatia
hipertensiva.
No voto, Og Fernandes mencionou “a longa permanência da ave
no convívio doméstico com a autora, a ausência de maus-tratos e o evidente
prejuízo ao animal em caso de reintegração ao seu habitat natural”.
“Sendo certo que esta Corte, em diversos precedentes, firmou
entendimento segundo o qual, em casos como os tais, não se mostra plausível que
o direito à apreensão do animal dê-se exclusivamente sobre a ótica da estrita
legalidade”, afirmou.
Mais recentemente, no início do ano, o ministro também
decidiu em favor da devolução do papagaio Verdinho para outra idosa, moradora
de Ubatuba (SP).
Em sua conta no Twitter, Og Fernandes publicou uma foto da
mulher com o pássaro e escreveu: “Feliz por participar dessa história de amor
entre humano e animal. Fui relator do caso, que agora, integra a história do
STJ.”
Questionado sobre por que não se declarou suspeito nesses
processos, o ministro afirmou, via assessoria de imprensa, “que a matéria era
pacífica e as decisões todas colegiadas, não monocráticas”.
“Além disso, o caso citado —sobre a regularização do animal da
guarda do ministro— sequer foi judicial e é anterior às decisões por ele
proferidas. Não há na legislação hipótese de suspeição que se aplique a este
caso.”
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