quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

SERÁ RUIM RETALIAR COM ALCÂNTARA

Fernando Exman, Valor Econômico
A intempestiva ação do presidente americano, Donald Trump, que ameaçou taxar produtos brasileiros chegou em péssima hora para os defensores do acordo de salvaguardas tecnológicas, assinado com os Estados Unidos, para viabilizar o Centro Espacial de Alcântara. Será negativo, contudo, se esse acordo passar a figurar em uma eventual lista de potenciais retaliações aos EUA.
Nada mais natural que a oposição aproveite a oportunidade de criticar o governo pelas concessões feitas aos americanos, sem que as esperadas contrapartidas tenham se concretizado. Talvez apenas o presidente Jair Bolsonaro e sua família acreditaram que o Brasil teria um tratamento privilegiado dos EUA, em razão de sua vitória na eleição do ano passado.
O acordo de salvaguardas tecnológicas não entra nesse balaio. Ele assegura que o Brasil se compromete a proteger as tecnologias americanas, as quais, segundo dados do governo, estão em aproximadamente 80% dos componentes utilizados em foguetes e satélites do mundo.
No Executivo, é visto como instrumento fundamental para o desenvolvimento do setor e para o estabelecimento de uma política espacial efetiva. E pretende ser utilizado também como vetor do desenvolvimento da região em que o Centro Espacial de Alcântara está localizado, no Maranhão.
A tramitação do acordo não foi absolutamente tranquila, mas conseguiu superar obstáculos ideológicos. Se tivesse demorado um pouco mais, poderia correr o risco de ter sua aprovação utilizada como refém ou até mesmo vítima colateral do recente estranhamento observado nas relações bilaterais.
Seria um erro do Congresso. Com a autorização do Legislativo em mãos, portanto, o Executivo começa a tomar as providências cabíveis.
Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes tem apreço pelo tema e o trata como prioritário. Ao Valor, ele detalhou o que se pode esperar a partir de agora: um grupo interministerial se debruçará sobre o assunto e definirá um “plano de negócios”.
Além do MCTIC, estarão envolvidas as pastas da Infraestrutura, da Cidadania, da Mulher, Família e Direitos Humanos, da Educação, da Saúde, da Agricultura e da Defesa. Representantes desses ministérios irão a Alcântara conversar com a comunidade quilombola local, integrantes dos governos estadual, municipal, universidades e empresários da região. Com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), formularão políticas de capacitação de trabalhadores e de empreendedores locais. Esse grupo também analisará as demandas de infraestrutura para a região e as necessidades do centro espacial, tanto para as suas instalações físicas quanto em relação a equipamentos.
Marcos Pontes costuma dizer que, em 30 anos, foi o único ministro a visitar o local para conversar com os moradores. Quer ouvir deles o que se pode fazer para aprimorar os serviços de saúde e educação da região. Defende melhorias no instituto federal lá instalado, e revela que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) quer ter um braço em São Luís.
“Eu não gostaria de mexer na cidade de Alcântara. Lá é uma cidade histórica, tem ruínas lá dentro. As ruas são antigas, o estilo das casas. Aquilo ali pode ficar igual Paraty, pode ter restaurantes e barzinhos”, diz, defendendo que não se altere a estética local. Construção de prédios só com o mesmo estilo arquitetônico e para abrigar museus ou outros equipamentos públicos relacionados à cultura e à tradição. “A gente pode fazer uma estrada passando pelas vilas e construir, aí sim, um setor novo com prédios modernos, hotéis, restaurantes modernos e uma estrutura adequada e confortável.”
Para Pontes, Alcântara precisa ter logo internet de alta velocidade e um melhor fornecimento de água. Com isso, vai virar um polo de inovação ligado ao setor espacial.
“Estamos em um momento no planeta em que os países perceberam que isso é um bom negócio”, destacou o ministro, acrescentando que Portugal está fazendo um centro espacial e oceânico nos Açores e a Nova Zelândia está também apostando no setor.
Uma aposta comercial, sublinha. Não militar.
“Isso aqui é para ser um centro comercial. A ideia é ter empresas vindo para cá”, explicou. “O centro vai oferecer serviços de lançamento. Ele é operado pelo Brasil o tempo todo, com todo o controle das operações.”
O ministro explica com didatismo. De um lado, o Brasil terá como fornecedores empresas que possuem foguetes. A base terá seis plataformas, com distintas adequações técnicas. Com esse portfólio de lançadores, irá atrás de clientes que querem ter seus satélites lançados.
Assim, o país vai operar o lançamento, fazer a cobrança desse cliente e repassar parte do que cobrar para pagar o fornecedor. Usará o restante do dinheiro para desenvolver o programa espacial brasileiro e promover melhorias na infraestrutura local. Em relação ao programa espacial, o plano do ministro é direcionar os recursos principalmente para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que desenvolve sistemas espaciais. “Isso vai movimentar todo o parque industrial que apoia este setor.”
Segundo informações prestadas pelo governo para convencer os parlamentares, este mercado movimenta cerca de US$ 350 bilhões por ano e pode atingir cerca de US$ 1 trilhão. Marcos Pontes estima que o Brasil possa arrecadar no início das operações aproximadamente R$ 300 milhões por ano.
“Não é pouco?”, pergunta o ministro, para então emendar a resposta: “Não. Para se ter uma ideia, no nosso programa espacial inteiro eu consigo colocar R$ 150 milhões no ano. É o dobro”.
O governo acredita que fazer esse “plano de negócios” funcionar tomará 2020. Lançamentos de treinamento ocorrerão em 2021. “Imagino que em 2022 é uma boa e otimista expectativa de a gente ter um primeiro lançamento comercial. Tem que ser realista com a coisa”, diz o ministro, que já avalia se haverá necessidade de assinatura de acordos de salvaguarda com outros países.
Depois de tantos avanços e retrocessos, as autoridades estão otimistas com as perspectivas do programa. Estão de olho no espaço, mas com os pés no chão.
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