Estamos assistindo no país, já há algum tempo, um desfile
sistemático de ataques a órgãos de imprensa que não é coisa nossa apenas, mas
de variados países com governos populistas, de esquerda ou de direita, que não
convivem bem com a imprensa independente.
Essa nova onda da direita autoritária segue-se a outra, da
esquerda também autoritária, que dominou a América Latina durante anos. Na
Argentina dos Kirchners, na Venezuela de Chavez e Maduro, na Bolívia e no
Equador, no Brasil de Lula, sempre a tal da “midia” virava o bode expiatório de
governantes que não querem ver seus segredos e desvios revelados.
Ataques aos órgãos de imprensa acontecem quando a democracia
não é um regime respeitado por quem está no poder. Quando na oposição, esses
mesmos políticos adoram ver seus adversários sob críticas, as mesmas que
rejeitam quando governo.
É o caso de agora com o presidente Bolsonaro, que investe
contra os meios de comunicação quando lhe são críticos, como a Rede Globo, o
jornal O Globo, a Folha de S. Paulo, e distribui benesses para aqueles que
abdicam da missão jornalística de fiscalizar os governos para bajulá-los, em
troca de vantagens indevidas.
Logo ao sair da cadeia, o ex-presidente Lula fez acusações
irresponsáveis à Rede Globo, culpando o mensageiro pelas condenações da
Justiça. A radicalização que estamos vivendo leva os dois pólos extremos da
política brasileira a atacar os mesmos alvos, que defendem a democracia e
mostram o estado dela no país.
Ao desagradar ambas as partes nos extremos, a imprensa
profissional e independente mostra que está no caminho certo, defendendo um
país que seja governado por pessoas sensatas, com visão de Estado. Não é o
caso, também, do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, misto de
político e bispo da Igreja Universal, numa clara ameaça ao Estado laico
definido pela Constituição.
Crivella, num movimento autoritário que lhe é peculiar, teve
o desplante de afirmar que não responderia mais às demandas do Globo, como se
isso lhe fosse permitido como funcionário público pago pelos impostos dos
cariocas.
Ao impedir que repórteres do Globo participassem da coletiva
de imprensa que anunciava ontem a programação do Revéillon do Rio, uma das
festas mais importantes da cidade, com repercussão no mundo, atacou não somente
a liberdade de imprensa, como seus próprios contribuintes.
Diante das críticas que ontem eu e Carlos Alberto Sardenberg
fizemos no nosso programa da CBN, o prefeito enviou uma nota oficial em que diz
que o Globo é um “panfleto político, sempre interessado em trocar notícia por
verba de publicidade”, numa contradição evidente, pois o que incomoda a
Prefeitura são as críticas que recebe.
Dinheiro público não sustenta grandes empresas jornalísticas
como o grupo Globo ou a Folha, mas sustenta muitos jornais e rádios pelo Brasil
afora, no interior do país, e o governo não pode usar dinheiro público para
obrigá-los a serem a seu favor. Isso é perversão da democracia e abuso de
poder, e é o que está acontecendo.
Isso acontece quando a democracia não é um sistema político
respeitado por quem está no poder. Os obstáculos que governos autoritários cada
vez mais colocam no caminho da livre expressão, com embargos de diversos
feitios, tentam inviabilizar, até economicamente, os meios de comunicação, que
enfrentam também a violência como arma de intimidação da liberdade de
expressão, tendo sido registrados diversos casos de assassinatos e agressões a
jornalistas nos últimos anos.
É disseminada pelos adeptos de governos autoritários uma
tentativa de desacreditar os meios de comunicação, na suposição de que a
“opinião pública” representa apenas a elite da sociedade, e não os cidadãos de
maneira geral. A origem da “opinião pública”, no fim do século XVIII, deve-se à
difusão da imprensa, meio de a sociedade civil nascente se contrapor à força do
Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político, com o
surgimento do Estado moderno.
É o jornalismo profissional e independente, seja em que
plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de
um consenso em torno do projeto democrático, avesso aos populistas de plantão.
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