Os ataques
de Jair Bolsonaro à Folha mais
servem aos outros jornais, revistas e tevês para pensarem sobre atos, e sobre
si mesmos, do que para atingir a própria Folha em qualquer
sentido. A ideia decorativa da liberdade
de imprensa presta-se a fins muito relevantes, entre bons e longe
disso, mas sua fragilidade a expõe tanto de fora para dentro como de dentro
para fora.
Inexiste ação de qualquer poder contra
um jornal, ou outra peça da mal denominada “mídia”, que não tenha reflexos
sobre os demais. No mínimo, é um sinal de que estão todos sujeitos à violência,
tão logo a deseje o poder
agressor. Do agredido ao último dos demais, suas escolhas estão restritas a
duas opções: manter-se ereto, sem ceder a condições e imposições, ou curvar-se.
As duas condutas contam com exemplos históricos. É
indisfarçável, porém, que a segunda tem sido muito mais numerosa. A opção está
proposta outra vez. Em situação mais complexa do que qualquer outra desde o fim
da ditadura: há motivos para ver no assédio econômico à Folha um
ensaio, talvez já o primeiro capítulo, de um plano para submeter o jornalismo
ao projeto
antidemocrático que Bolsonaro está implementando. A opção de jornais,
tevês e outros, entre opor-se e represar a ameaça ou entregar-se, não vai
esperar muito.
Afastado do convívio com a cúpula do jornal e da empresa,
não ouso falar por um ou por outra. Mas a experiência é um prenúncio, e a memória
da Folha guarda farta experiência de trato com pressões.
Desde as pouco sutis queixas de Fernando Henrique e José Serra por determinadas
demissões —do que há alvos e testemunhas em bom número— à invasão da empresa
por Polícia Federal e Receita Federal a mando de Collor.
Já é censura política, explícita e contrária
à Constituição, o veto de Bolsonaro à presença da Folha em
licitação do governo para assinatura de jornais e noticiários. Além disso, pela
legislação comum, se a Folha atende às condições legais
exigidas para a licitação, impedi-la é ato ilegal. Bolsonaro, também por aí, é
fora da lei. Natural que queira censura.
AS FUGAS
A recente
decisão do Supremo sobre a compatibilidade, ou não, entre um artigo do
Código Penal e a Constituição refletiria na situação do encarcerado
Lula. Quatro dos cinco ministros derrotados fundearam seus votos no mesmo
tema: sem a prisão em segunda instância, negada pela Constituição e pelo
código, é beneficiado quem pode contratar bom advogado e protelar seu caso nas
instâncias finais. Nada sobre a compatibilidade, que era a questão em
julgamento. É que não podiam negá-la, de tão óbvia, e queriam Lula preso.
Agora, o Supremo decidiu sobre a necessidade de autorização
judicial para repasse de informações pessoais sigilosas, da Receita
Federal para procuradores, promotores e polícias. Oito dos nove ministros
vencedores seguiram o mesmo roteiro: “o compartilhamento” é necessário para
o combate
à corrupção. Mas o essencial da causa era fazê-lo com autorização judicial
ou à vontade, sem justificação reconhecida. E, claro, condicionar à autorização
não é impedir compartilhamento.
Esses votos chegaram a coisas assim: “A Receita compartilha
os dados com o Ministério Público, mas não há quebra de sigilo. Há
transferência de sigilo”. Mas a transferência não é de sigilo, já por ser
intransferível. A Receita transfere conhecimento (dos dados). O que só é
possível pela quebra de sigilo.
Apesar disso, a criação do ministro Luís Roberto Barroso foi adotada por vários. O direito à privacidade de dados pessoais só foi reconhecido pelos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Apesar disso, a criação do ministro Luís Roberto Barroso foi adotada por vários. O direito à privacidade de dados pessoais só foi reconhecido pelos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Janio de Freitas
Jornalista
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