A polícia paraense prendeu brigadistas acusados de tacar
fogo na floresta. A notícia parecia estapafúrdia, e era. Mas foi festejada por
se ajustar às ficções de Bolsonaro
Na “nova era”, não basta tomar cuidado com os excessos do
guarda da esquina. É preciso se precaver contra as arbitrariedades do delegado,
do promotor e do juiz.
Na quarta-feira, a polícia paraense prendeu quatro
voluntários que ajudavam a combater incêndios em Alter do Chão. Eles foram
acusados de tacar fogo na floresta para receber dólares de ONGs internacionais.
A notícia parecia estapafúrdia — e era. Mesmo assim, foi
festejada por Jair Bolsonaro, que se apressou a comemorar o feito das redes
sociais.
O caso agradou porque se ajustava a uma das ficções
favoritas do presidente. Há meses, ele tenta convencer a plateia de que
ambientalistas estariam por trás das queimadas na Amazônia. É uma invencionice
conveniente, que desvia o foco da aliança do governo com ruralistas e
madeireiros.
Em julho, Bolsonaro recorreu ao embuste quando o Inpe
alertou para a escalada do desmatamento. Em vez de reconhecer o problema, ele
contestou os números oficiais e disse que o diretor do instituto, um cientista
respeitado, estaria “a serviço de alguma ONG”.
No mês seguinte, o presidente fez novas acusações genéricas
e sem provas. Afirmou que as queimadas seriam “ação criminosa desses
‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do
Brasil”. Ele também atacou o francês Emmanuel Macron, que havia criticado a
destruição da floresta, e os governos de Alemanha e Noruega, que suspenderam
doações ao Fundo Amazônia.
A impostura se repetiu em outubro, quando Bolsonaro tentou
culpar um navio do Greenpeace pelo vazamento de óleo que atingiu o litoral do
Nordeste.
Se o presidente pode, todos podem. É o que devem ter pensado
as autoridades paraenses. A prisão dos voluntários foi divulgada com
estardalhaço. Em pouco tempo, viu-se que o inquérito não continha provas, só
convicções.
A transcrição dos grampos indica que a polícia distorceu
diálogos e tirou frases de contexto para incriminar o quarteto. A busca por
doações para manter a brigada foi apresentada como tentativa de “obter vantagem
financeira”. Numa passagem caricata, os investigadores confundiram o uso de
maconha com os incêndios criminosos.
A armação começou a ser desmontada quando o Ministério
Público Federal informou que “nenhum elemento apontava para a participação de
brigadistas ou organizações da sociedade civil” nas queimadas. As investigações
da Procuradoria, iniciadas em 2015, apontam grileiros e empresários do setor
imobiliário como responsáveis pela degradação ambiental em Alter.
Em meio à fumaça da exploração política, o governador Helder
Barbalho determinou a troca do delegado do caso. Em seguida, soube-se que o
juiz que mandou prender os jovens pertence a uma família de madeireiros e já
atacou uma ONG pelos jornais. Pressionado, ele voltou atrás e ordenou a soltura
dos voluntários. Os quatro deixaram a cadeia aos prantos, com as cabeças
raspadas.
Bolsonaro não se abalou, só mudou o alvo da tapeação. Na sexta-feira,
passou a acusar o ator Leonardo DiCaprio de financiar as queimadas. Deve ter
assinado o cheque da proa do Titanic.
Nenhum comentário:
Postar um comentário