Se fosse preciso escolher um jeito de traduzir 2019, não o
faria em imagens, palavras ou gestos —a arminha vem de outros Carnavais. Seria
por stickers, as figurinhas que tomaram conta do WhatsApp tanto quanto as fake
news no ano passado.
No começo, eram uma espécie de dialeto “xóvem”, com
chihuahuas estropiados, gatos empoderados, ex-celebridades de segunda linha e
uma galeria de anônimos com expressões e legendas para todas as ocasiões. Que
mãe não perguntou ao filho onde ele andava e levou uma figurinha do Queiroz
como resposta? Não demorou para os stickers caírem no gosto geral. Zoeira pura,
elas falaram pelo Brasil em 2019.
Em vez de desculpas furadas, uma figurinha da Gretchen.
Para cortar um assunto chato, uma figurinha da Gretchen. Para mostrar vergonha
alheia, uma figurinha da Gretchen. Para o crush, uma figurinha da
Gretchen. Gretchen foi a ministra da Comunicação moral de 2019.
Para comentar as bombas políticas e econômicas do ano, uma
figurinha da Dilma —plena, pleníssima. Agora tem a do Chico Buarque num jogo de
futebol: “passa pro Lula, ele tá livre”. A do Paulo Guedes, meiga: “gostei de
vc, vô te privatizá por último”. E DiCaprio com ar enigmático: adivinha quem
ensaboou o banheiro?
As figurinhas seguem suas próprias regras gramaticais, e
todas estão erradas. Mesmo assim, a gente as salva porque sabe que um dia serão
úteis. Acompanhando os piores closes e os ângulos mais toscos de tudo e de
todos, legendas que dispensam pontos, vírgulas e outros caprichos da língua.
Que Deus lhe guarde e se esqueça onde.
Como cabe tanto feladaputa nesse planeta? E eu lá quero sua
amizade caraio. Disse pouco mas disse bosta. Pago até um Uber pra vc ir sifudê.
Cortella, Karnal e Pondé brilharam em 2019, mas nada superou a filosofia das
figurinhas.
Curiosamente, mas nem tanto, até Flávio Bolsonaro —não
esqueçamos o sobrenome para deixar bem claro de que Flávio falamos— atolar no
chocolate e ter sua cara de pau inserida no corpo do Willy Wonka, a família do
barulho não virou figurinha. Nem poderia. Piada sem o mínimo de inteligência
não vale a viagem.
Que 2020 traga motivos para a gente rir de verdade, e não de
nervoso. De sem graça já basta tudo, e o atentado ao Porta dos Fundos fecha o
ano com chave de nióbio. Figurinha da Gretchen encerra: “ceis tão pensando que
aqui é bagunça kct?”.
Claudia Tajes
Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de
"Macha".
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